Entendendo a literatura popular como aquela que corre entre o povo, por ele e para ele criada, e como lugar de uma poética onde se cruzam oralidade e tradição, nela encontramos o gosto por elementos mágicos ou motivos simbólicos, como acontece, por exemplo, com os números três e sete.
No caso do sete – e pensando de imediato em botas de sete léguas ou em bichas de sete cabeças – é esse muitas vezes o número de anos necessário para cumprir ou fechar um ciclo. No livro Romanceiro Português, de 1956, organizado e prefaciado por Urbano Tavares Rodrigues, reunimos alguns exemplos: na xácara Helena, tendo sido injusto com a mulher, que vem a morrer por sua culpa, o marido penitencia-se, prometendo que «Sete anos e mais um dia/Me irei a peregrinar,/À Porta Santa de Roma/Me quero ir ajoelhar.»; em O Caçador, a filha do rei cumpre um encantamento de sete anos no cimo de uma azinheira; em Donzela que vai à guerra, resolve a filha de um velho fidalgo vestir-se de cavaleiro e ir para a guerra, conseguindo esconder de todos o seu segredo, à exceção do capitão, dizendo aos pais, quando lho apresenta como noivo, «Sete anos andei na guerra/E fiz de filho varão./Ninguém me conheceu nunca/Senão o meu capitão;/Conheceu-me pelos olhos,/Que por outra coisa não.»; e, em D. Gaifeiros, ficando Melisendra cativa dos Mouros, procurou o seu marido por ela durante sete anos, «mas em vão».
Ora, se a referência ao número sete já nos tinha levado a pensar em Blimunda Sete-Luas e em Baltazar Sete-Sóis, de Saramago, e em Sete anos de pastor Jacob servia, de Camões, não podemos deixar de pensar agora no Frei Luís de Sousa, de Garrett, e nos sete anos em que Madalena mandou procurar D. João de Portugal, igualmente em vão.
Assim, pode esta semelhança – tanto Melisandra como D. João de Portugal são cativos e procurados em vão ao longo de sete anos – fazer-nos pensar na literatura de autor como terreno onde frutificam sementes dos longínquos romances populares, esbatendo as fronteiras entre tempos e géneros. O que o intertexto uniu, nenhuma distância pode separar.
Elisabete Bárbara