ARTIGO DE OPINIÃO: PHDA em adultos: desafios invisíveis e a importância do diagnóstico e apoio

17/06/2025 18:24

A Perturbação de Hiperatividade e Défice de Atenção (PHDA) é frequentemente associada à infância, mas o que acontece quando as crianças que cresceram com esta condição se tornam adultos? Para muitos, a resposta é simples: continuam a viver com os desafios da PHDA, mas agora sem o suporte ou a compreensão que, muitas vezes, receberam na infância pela escola e cuidadores. Para outros, a realidade é ainda mais complexa, pois chegam à idade adulta sem nunca terem sido diagnosticados, carregando consigo anos de frustração, inúmeras experiências de falha, culpa e uma sensação persistente de inadequação e de não se encaixarem em lado nenhum. Para muitos adultos que vivem com esta condição, os desafios não são apenas constantes, mas também invisíveis para quem os rodeia.

Por não serem óbvios, estes desafios são frequentemente mal interpretados por colegas, amigos, familiares e até pelas próprias pessoas que os experienciam. A luta para manter a concentração, a tendência para procrastinar até ao limite, a dificuldade em gerir as tarefas do quotidiano e a montanha-russa emocional são obstáculos diários que passam despercebidos, mas que têm um impacto profundo na autoestima e na qualidade de vida de qualquer pessoa. 

A sociedade espera dos adultos uma certa organização, autonomia, responsabilidade e eficiência, mas para alguém com PHDA, estas competências podem exigir um esforço descomunal, tornando-se uma luta invisível aos olhos dos outros e muitos adultos com PHDA sentem que estão constantemente a falhar em corresponder a estas expectativas. A dificuldade em gerir o tempo, manter a concentração ou concluir tarefas essenciais pode ser encarada pelos outros como preguiça ou falta de empenho, quando, na verdade, estas pessoas estão a lutar contra um cérebro que tem dificuldade em priorizar e estruturar os pensamentos. Pequenos desafios diários, como pagar contas a tempo, lembrar compromissos ou simplesmente manter a casa arrumada, podem tornar-se exaustivos, exigindo estratégias constantes para compensar as dificuldades. Este esforço invisível pode levar a um estado de exaustão mental, pois a necessidade de manter uma fachada de normalidade consome uma quantidade enorme de energia.

Outro desafio comum e muitas vezes incompreendido é a impulsividade, que pode manifestar-se em decisões tomadas sem pensar, interrupções em conversas ou reações emocionais intensas. Muitas pessoas com PHDA descrevem uma dificuldade em controlar impulsos, o que pode resultar em compras desnecessárias, dificuldades em gerir dinheiro ou até em dizer algo no calor do momento e depois arrepender-se. Este padrão pode criar um ciclo de frustração e culpa, especialmente porque a pessoa se apercebe dos seus comportamentos, mas tem dificuldade em evitá-los. A hipersensibilidade emocional é outro desafio que passa despercebido. Críticas, mesmo quando construtivas, podem ser sentidas como ataques pessoais, levando a uma intensa ruminação sobre erros passados. Muitas pessoas com PHDA passam horas ou até dias a reviver momentos em que sentiram que falharam, aumentando ainda mais a sua ansiedade e insegurança.

Além disso, a procrastinação crónica é um dos aspetos mais frustrantes da PHDA na vida adulta. Mesmo sabendo da importância de uma tarefa, pode ser extremamente difícil começar. O cérebro entra num estado de paralisia onde a pressão aumenta, mas a capacidade de agir permanece bloqueada até ao último momento. Quando finalmente conseguem realizar a tarefa, fazem-no com uma rapidez impressionante, mas o desgaste mental e emocional que este processo causa pode ser avassalador. Esta dificuldade em regular a atenção significa que, enquanto algumas atividades são quase impossíveis de iniciar, outras podem ser tão absorventes que levam a uma perda completa da noção do tempo. Este fenómeno, conhecido como hiperfoco, pode ser positivo quando aplicado a tarefas produtivas, mas também pode fazer com que a pessoa perca horas em atividades irrelevantes enquanto ignora as responsabilidades prioritárias e importantes.

A falta de um diagnóstico agrava ainda mais a situação. Muitas pessoas chegam à idade adulta sem perceber que têm PHDA, passando anos a acreditar que são simplesmente desorganizadas, distraídas ou incapazes de manter a disciplina. Receber um diagnóstico pode ser um momento de grande alívio, pois permite compreender que estas dificuldades não são características da maneira de ser e da personalidade, mas sim o resultado de uma diferença neurológica. No entanto, para muitas pessoas também traz alguma frustração e zanga ao de cima. Surgem-me muitas vezes em consulta pessoas que se questionam com revolta: “E se eu tivesse sabido antes?”, “E se tivesse recebido apoio na escola ou no trabalho? Será que tinha tido mais sucesso?”, “Como teria sido a minha vida se soubesse que não era apenas preguiça ou desorganização?” Estas perguntas são naturais e fazem parte do processo de aceitação. A existência de um diagnóstico significa que existem agora caminhos para compreendermos melhor os próprios desafios e encontrarmos estratégias para lidar com eles. Compreender a PHDA permite-nos desenvolver uma nova relação connosco próprios, com mais compaixão e menos culpa.

A terapia pode ser extremamente útil para desenvolver técnicas de organização, gestão do tempo e regulação emocional. Em alguns casos, a medicação pode ser uma ferramenta eficaz para melhorar a concentração e reduzir a impulsividade. Estratégias como o uso de listas, alarmes e técnicas de produtividade como o método Pomodoropodem ajudar a estruturar o dia e minimizar a procrastinação. Adicionalmente, aconstrução de uma rede de apoio é crucial na PHDA. 

O apoio dos familiares, amigos e colegas de trabalho é fundamental para que um adulto com PHDA possa lidar melhor com os desafios diários e para que possa existir uma sensação de segurança e aceitação, tão desejada por todos nós. Pequenos gestos como paciência, lembretes gentis ou simplesmente reconhecer o esforço extra que estas pessoas fazem para cumprir responsabilidades, ajudam a reduzir a frustração e o isolamento.

No seio familiar, é essencial cultivar um ambiente de empatia e flexibilidade. Em vez de reforçar a ideia de que a pessoa “deveria ser mais organizada” ou “precisa de se esforçar mais”, é mais produtivo ajudá-la a encontrar estratégias que realmente funcionem para ela. Estabelecer rotinas conjuntas, ajudar a estruturar tarefas e, acima de tudo, reconhecer o progresso, mesmo que pareça pequeno, pode criar uma dinâmica de apoio em vez de tensão. É também importante que a própria família se informe sobre a PHDA, para que não interprete comportamentos como desinteresse ou irresponsabilidade, mas sim como parte das dificuldades inerentes à condição.

No contexto do trabalho, a compreensão por parte de chefes e colegas pode fazer uma enorme diferença na produtividade e no bem-estar de um profissional com PHDA. Pequenas adaptações, como permitir flexibilidade no horário, possibilitar o uso de listas de tarefas visíveis ou dar feedback estruturado e claro, podem melhorar significativamente o desempenho. Muitas vezes, as pessoas com PHDA são altamente criativas, inovadoras e resilientes, mas precisam de um ambiente que compreenda que a sua forma de trabalhar pode não seguir os moldes tradicionais. Em vez de interpretar a procrastinação ou a desorganização como falta de competência, um local de trabalho inclusivo reconhece o valor que estas pessoas trazem e oferece espaço para que possam desenvolver métodos que se adequem às suas necessidades.

O papel dos amigos também não deve ser subestimado. Muitas pessoas com PHDA sentem-se isoladas ou inadequadas por não conseguirem manter as amizades como gostariam. Esquecem-se de aniversários, demoram a responder a mensagens ou podem parecer distraídas em conversas, mas isso não significa que não se importam. Amigos que compreendem estas dificuldades e sabem de onde vêm, ajudam a quebrar este ciclo de culpa e afastamento. Ser paciente, enviar lembretes amigáveis ou simplesmente mostrar compreensão em vez de julgamento fortalece os laços e dá àspessoas com PHDA um espaço onde se sentem aceites tal como são.

No fundo, o apoio do meio envolvente é um fator essencial para que um adulto com PHDA consiga não só lidar melhor com os desafios da vida, mas também reconhecer as suas próprias forças e capacidades. Um ambiente que valida e compreende faz toda a diferença entre alguém que vive constantemente em frustração e alguém que encontra formas de prosperar, aproveitando ao máximo o seu potencial único. Criar espaços mais inclusivos para pessoas com PHDA passa por educar a sociedade, sensibilizar empregadores e instituições para a necessidade de adaptações e oferecer suporte adequado a quem precisa. Todos beneficiamos quando há mais compreensão e menos julgamento.

Se te revês nestas palavras, lembra-te: não estás sozinho e não és uma falha. O teu cérebro pode funcionar de forma diferente, mas isso não significa que valhas menos ou que não possas alcançar os teus objetivos. O diagnóstico e o apoio certo podem transformar não só a tua relação contigo mesmo, mas também a forma como encaras o mundo. Com o apoio adequado e uma dose de autocompaixão, é possível transformar desafios invisíveis em conquistas visíveis.

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