ENTREVISTA: “O ensino tradicional, na maioria das vezes, não dá resposta às necessidades individuais de cada aluno”. Sandra Porto Ferreira e a abordagem STE(A)M.

27/09/2023 13:00

«Como investigadora e professora, apercebo-me que o ensino tradicional, não dá resposta às necessidades individuais de cada aluno, principalmente aos alunos mais curiosos que sentem necessidade de observar, experimentar, manipular e questionar, num esforço para entender o mundo que as rodeia», considera Sandra Porto Ferreira, professora e investigadora da prática STE(A)M, na Universidade de Aveiro. A, igualmente, colaboradora do portal Viseu Now advoga que «é preciso agir hoje para formar o amanhã». Em entrevista, a docente dá a conhecer a abordagem que considera o caminho para o futuro.

Em que consiste a educação STE(A)M?

A integração STE(A)M, sigla em inglês de Science, Techonolgy, Art, Engineering e Mathematics, é uma abordagem integrativa, que apresenta uma visão estratégica na formação dos alunos, para a promoção de atividades que levam ao seu desenvolvimento do(s) pensamento(s) crítico e criativo, tornando-os cidadãos, capazes de identificar problemas e participar na construção de soluções. A abordagem integrativa STE(A)M poderá ser uma resposta ao Decreto-Lei 55/2018, na medida em que preconiza a implementação de práticas de ensino/aprendizagem integrada e integradora de saberes, esta que procura também contemplar a promoção de ensino prático em particular experimental, a contextualização das aprendizagens, a abordagem integrada de conteúdos, numa perspetiva de interdisciplinaridade, garantindo o direito à aprendizagem e ao sucesso educativo.

Como teve conhecimento dele? Está a investigar este método na Universidade de Aveiro?

Nas palavras de Perrenoud «os seres humanos não podem sobreviver sem aprender». Desta forma, revejo-me nestas palavras, por isso, a aprendizagem, o meu currículo deverá ser um processo permanente, ao longo da vida. Sou uma pessoa em construção, portadora de um nó formativo e contínuo, mas sincronizado com o tempo, situado numa narrativa temporal de mudanças, vivendo na plena interrogação profissional. Será sempre minha intencionalidade desenvolver dinâmicas próprias no meu desenvolvimento profissional, não só pela satisfação da curiosidade, mas também pela postura de adaptação às heterogeneidades do grupo/turma, devendo desafiar, refletir sobre as minhas práticas.

Desta forma, ao longo do meu percurso profissional fui sempre investigando, até ao momento que fui convidada para um projeto da Associação de Professores de Matemática (APM), no qual comecei a implementar a abordagem/metodologia (STEM) nas minhas aulas de forma diferente. O trabalho desenvolvido nas turmas foi muito positivo e foi a partir desse projeto que comecei a sentir a necessidade de saber mais. No ano transato entrei na Universidade de Aveiro, no Mestrado em Educação e Formação, concluindo a Especialização e, como tinha de “beber” mais sobre a temática, comecei na investigação do STE(A)M.

Podemos dizer que este modelo tem como objetivo substituir o ensino tradicional?

Como investigadora e professora, apercebo-me que o ensino tradicional, na maioria das vezes, não dá resposta às necessidades individuais de cada aluno, principalmente às mais curiosas que sentem necessidade de observar, experimentar, manipular e questionar, num esforço para entender o mundo que as rodeia. O ensino tradicional é expositivo, com bases nos manuais escolares, além disso, existe uma preocupação com a “pressão” das provas de avaliação de âmbito nacional e, por outro lado, ainda existe escassez de formação para a implementação desta temática. Esta abordagem integrativa STE(A)M poderá ser uma resposta ao Decreto-Lei 55/2018, na medida em que preconiza a implementação de práticas de ensino/aprendizagem integrada e integradora de saberes, procurando a promoção do ensino mais prático e mais interligado com todas as disciplinas.

O STE(A)M tem aplicação prática e coloca as crianças com a “mão na massa”. Este método pode vir a ter um impacto positivo?

Os alunos com a abordagem STE(A)M têm a oportunidade para formular hipóteses, experimentar, analisar, investigar, optimizar, criar, avaliar e reformularem estratégias na realização de projetos, sendo o professor apenas mediador. Esta metodologia procura desenvolver aquelas que são consideradas as competências do século XXI, como a colaboração, o trabalho desenvolvido em grupo; o(s) pensamento(s) crítico e criativo, os alunos tem a oportunidade de antecipar os seus resultados, agir e refletir sobre suas opções tendo em atenção o resultado final esperado e a comunicação. Os alunos são convidados a fazer as suas escolhas, podendo assim argumentar o trabalho por eles desenvolvidos. Até ao presente, a metodologia fomenta uma aprendizagem positiva, uma vez que a relação dos alunos envolve a sua cooperação/partilha entre grupos/pares de saberes ajudando-se mutuamente.

A finalidade do projeto é fomentar o interesse dos alunos pelas carreiras em Ciência, Tecnologia, Engenharia, Arte e Matemática. De que forma?

Esta abordagem implica várias áreas importantes para o desenvolvimento dos cidadãos, tornando-os aptos para as exigências da sociedade atual. Para que os cidadãos tomem decisões mais informadas no seu dia-a-dia, é importante que todos compreendam a ligação entre a Ciência e a Engenharia, integrando os respetivos conhecimentos, práticas e ligações ao quotidiano. Se o desenvolvimento das competências dos alunos for mobilizado, desde os primeiros anos de escolaridade, e a sua aprendizagem de conteúdos seja de forma interdisciplinar, define o despertar à curiosidade, estimula o trabalho em equipa, desenvolve o pensamento crítico e criativo, ou seja, todo este ingrediente fomenta de modo articulado um futuro cidadão no contexto globalizado.

Considera que a aplicação deste método poderia trazer melhor desempenho escolar?

Mesmo que não seja possível criar “a escola do futuro”, acredito, como investigadora, que se consegue contribuir para tornar a escola mais criativa, estimulante e interessante para os nossos alunos, ajudando-os a preparar a sua geração para um futuro com desafios científicos e tecnológicos. Ao aplicar esta abordagem, o desempenho escolar dos alunos torna-os mais envolvidos no ensino/aprendizagem, mais motivados para o aprender ser e o aprender fazer.

O currículo STEM começou inicialmente sem o “A” de Artes. Esta é também uma área essencial neste procedimento?

Inicialmente começou-se pelas quatro áreas, no entanto, nesta abordagem, sem o (A), não estavam contemplados processos como a criatividade e inovação, para tal, Georgette Yakman, em 2008, considerou essencial introduzir as artes para criar uma aprendizagem integrada e criativa. Para mim, como professora do 1.º ciclo, faz todo o sentido, uma vez que temos a disciplina das expressões artísticas e interliga-se com as outras.

Teve oportunidade de pôr em prática esta visão nas suas aulas. Quais as principais vantagens de ensinar e aprender com esta abordagem? Que conclusão tirou?

Trabalhar com esta abordagem traz vantagens, quer para os alunos quer para o professor, pois permite estabelecer conexões com a vida real e a aprendizagem é volúvel em torno da experiência de aprender, aprender a Agir, aprender a Fazer, aprender a Ser, aprender Fazendo, valorizando tudo o que se encontra no quotidiano. Destaco, também, a componente da interdisciplinaridade.  Esta abordagem procura travar a barreira que existe entre os alunos e cada disciplina fazendo com que os conteúdos e conceitos sejam colocados em prática transversalmente, com outras disciplinas através de projetos.

O que acha que podia ser feito para o implementar nas escolas?

Atualmente, devido às mudanças existentes na sociedade, derivadas do avanço tecnológico, espera-se que as escolas também acompanhem esta evolução e formem os cidadãos do amanhã para que o interesse pelas áreas científicas aumente.

Neste sentido, é necessário ajustar o papel do professor e, por sua vez, do aluno, para que as competências em áreas STE(A)M sejam desenvolvidas, por meio de metodologias de ensino ativas e inovadoras. Sendo que, “o papel do professor passará por estimular no aluno o prazer de compreender, de conhecer e de descobrir”.

Deixo aqui uma pequena reflexão, que me leva a questionar, e de acordo com uma frase de Augusto Cury, “de que adianta conhecer outros planetas se neste planeta há tantas misérias sem soluções?”. Assim está o futuro da educação, ou seja, este terá de ser repensado, o que é agora não será o de amanhã. Educar futuros Líderes é tarefa de Todos.

Sendo Formadora de Professores. Tens objetivos de formar professores com abordagem STE(A)M?

A formação STE(A)M é “a nova fronteira da educação”. Sendo formadora de professores, compreendo a importância de estar na vanguarda das tendências educacionais. Com efeito, o meu objetivo é formar educadores com uma abordagem STE(A)M – Ciência, Tecnologia, Engenharia, (Artes) e Matemática. Porquê este foco? A abordagem STE(A)M representa uma fusão de disciplinas que são cruciais para o desenvolvimento e inovação no século XXI. Vivemos numa era de rápidos avanços tecnológicos e de crescente interconexão de saberes. Como tal, é vital preparar os nossos alunos para serem pensadores críticos, inovadores e adaptáveis.

Para concretizar esta visão, em breve, irei inaugurar um centro de formação com espaço físico dedicado. Mas o meu compromisso vai além da formação de professores. Quero estabelecer uma verdadeira ponte com a comunidade educativa. Por isso, irei disponibilizar workshops para crianças, permitindo-lhes ter um contacto direto e prático com a abordagem STE(A)M. Este passo permitirá que as crianças se familiarizem desde cedo com conceitos e práticas que serão fundamentais para o seu futuro.

Este projeto não é apenas uma aspiração pessoal. É uma resposta às necessidades do nosso tempo e uma contribuição para a formação de cidadãos do futuro, prontos para enfrentar os desafios de um mundo em constante mudança. Estaremos sempre disponíveis e ao alcance de todos, porque acreditamos que a educação é a chave para um futuro promissor. Convido toda a comunidade educativa a juntar-se a este projeto nesta aventura. Juntos, podemos moldar o futuro da educação.

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