ARTIGO DE OPINIÃO: Natal é gastronomia (ou a simbologia dos sabores)

29/12/2024 17:15

Diz a tradição que “Natal é sempre que alguém se lembra de outrem”… e a bem dizer, Natal é sempre que alguém se reúne à mesa para celebrar, como acontece no mundo confrádico enogastronómico. As celebrações natalícias em Portugal estão recheadas de sabores inconfundíveis, que ultrapassam singularidades regionais ou tradições intemporais, fruto de uma longa e diversificada herança de aromas e paladares oriundos dos cinco continentes, aliados a quinhentos anos de migrações e miscelânea de culturas.  Portugal preenche-se de diversas e apetitosas iguarias nestas quadras festivas, decorando as mesas familiares e as montras de mil pastelarias, concorrendo entre si para apresentar o melhor bolo rei,  as melhores filhoses (ou filhós), as autênticas rabanadas (ou fatias fritas). A época natalícia é propícia a alguns abusos culinários, em que a reunião à mesa deve ser também farta de sabores quentes e aromáticos, tradição e fé em harmonia. Aromas e sabores das delícias natalícias enchem as nossas mesas e reforçam o aconchego e recuperam as memórias de outros tempos mais sagrados quiçá, reforçando também o ancestral espírito natalício de união familiar e alegria na partilha. Estes valores são simbolicamente também os principais valores do movimento das confrarias gastronómicas. 

Os nossos doces tradicionais de Natal simbolizam também a gratidão na partilha,  parte identitária de cada região e cada cultura reforçando um todo nacional. Ao longo da nossa história longa e original, os doces de Natal tornaram-se um verdadeiro símbolo cultural, inspirados nas antigas tradições religiosas festivas, reunindo produtos  como o mel, os frutos secos (amêndoas, nozes e pinhões), e depois o açúcar e as especiarias. Progressividade, e em cada região, foram sendo adotados rituais e receituário local, adaptando e enriquecendo este património incalculável.

No incomparável vale de Lafões, algumas iguarias reinam nestas alturas festivais, para além do bolo rei: as famosas rabanadas, feitas com pão embebido em leite ou vinho de Lafões, depois fritas em azeite ou óleo bem quente, e depois de enxutas polvilhadas com açúcar e canela, aletria, doce preparado com massa fina cozida em leite, com limão e canela, servida fria ou quente, traz uma incomparável suavidade à mesa de Natal, os sonhos, ou as filhoses de abóbora, bolinhas de massa fritas leves e fofas, simples tanto nos ingredientes quanto nos modos de preparação, cujo segredo está mais nas nãos de quem prepara com saber e amor, são indispensáveis na mesa natalícia.

Entre os salgados do receituário tradicional à mesa natalícia, continua incontornável o fiel amigo bacalhau, preferencialmente acompanhado da couve portuguesa e da batata, mas cada vez mais (e de acordo com cada família) vai sendo habitual o polvo ou o peru assado recheado, verdadeira carta de segredos gastronómicos que o paladar e o calor humano vão distinguindo e honrando à mesa e nos espaços de restauração abertos ao turismo local ou nacional/internacional. Este receituário repete-se até ao Dia de Reis, em que o famosos bolo reaparece ao centro das nossas mesas. Festas felizes, e um ano novo gastronomicamente próspero e saboroso.

Carlos Almeida (Confraria dos Gastrónomos de Lafões)

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