O Colectivo Gira Sol Azul lançou um novo disco, ‘Tangerina’. Depois da apresentação, a 12 de fevereiro, no Centro de Artes de Águeda, o grupo passará, este sábado, 18 de março, às 16h, pelo Carmo81, em Viseu, e pelo m.O.u.C.o., no Porto, a 7 de abril. Para saber mais sobre este projeto, o Viseu Now este à conversa com Ana Bento.
A Ana Bento e o Bruno Pinto mantêm esta parceria criativa e viva. Como começou e como tem sido o percurso?
Profissionalmente, começámos a parceria em 2005, com a composição e interpretação ao vivo da banda sonora do espectáculo ‘Gracinda, a linda’, de Helen Ainsworth, com encenação de Sónia Barbosa. Desde então, temos desenvolvido muitos trabalhos em colaboração artística, nomeadamente composição de música para espectáculos de Filipa Francisco, Rogério de Carvalho, Joana Craveiro, Joana Providência, Romulus Neagu, entre outros; a criação de percursos artísticos e sonoros, como por exemplo ‘Cem Soldos para além do Bons Sons’, criado no âmbito do festival Bons Sons. Também nos juntamos no âmbito das bandas, como nos Tranglomango ou Aurora Brava (nesta última mais sob a liderança do Bruno), e em projetos com comunidades específicas, como os ‘A Voz do Rock’.
‘Tangerina’ está associado a um livro, mas também a um espetáculo. Como surgiu esta simbiose na criação?
De facto ‘Tangerina’, o disco, surge de uma iniciativa, em formato oficina, que esteve em cena na Casa da Música, no Porto, ao longo de dois anos e que entretanto se desenvolveu para o formato concerto/espectáculo, que contou com a colaboração da encenadora e coreógrafa Joana Providência. O livro ‘A invenção do dia claro’, de Almada Negreiros, foi o ponto de partida, a inspiração para este trabalho, que se traduz numa viagem pelo universo da palavra, pela infância e suas memórias, o questionamento do mundo que nos rodeia, o deslumbramento da descoberta e experimentação. O trabalho foi-se desenvolvendo e maturando, ao longo de várias etapas, e, quando o espectáculo ficou concluído, quisemos fazer este registo discográfico, como desfecho de uma longa viagem.
Este é o segundo trabalho do Coletivo Gira Sol Azul. Quais as novidades e continuidades relativamente a ‘Pequenos Piratas’?
Penso que ambos os trabalhos têm um lado rock/pop como identidade aglomeradora, mas em que as composições são muito influenciadas quer pela harmonia jazz, música erudita ou música étnica. Contudo há várias diferenças/novidades entre um e outro. ‘Pequenos Piratas’ move-se num imaginário muito específico e tem muito pouco recurso à palavra; se a memória não me falha, há duas canções com letra e um excerto de um poema de Sophia de Mello Breyner, recitado no final de uma música. Já ‘Tangerina’, como referi, é uma viagem num universo mais amplo, mais infinito: o universo da palavra, a infância e suas memórias, o mundo que nos rodeia…
Como se concretizou o desafio feito à coreógrafa Joana Providência?
Convidámos a Joana para assistir à última sessão que fizemos da oficina Tangerina, na Casa da Música, para ela perceber o material/ponto de partida que tínhamos em mão. Ficámos muito felizes, porque aceitou logo o desafio de trabalhar connosco e o desafio foi grande, pois para além de uma equipa artística atípica, constituída por uma família, entretanto meteu-se a pandemia pelo meio! Mas seguimos viagem e a Joana orientou entretanto várias sessões de trabalho, onde nos guiou na descoberta de novas possibilidades de apresentação das músicas, na construção do espectáculo: para além do recurso à palavra e à música, integrou outras linguagens, como o vídeo, sombras e um maior cuidado com as movimentações dos corpos em palco.
A fusão de estilos e linguagens continua a ser uma marca registada do Coletivo. Acredita que esta é a pedra de toque para se chegar a novos e alternativos públicos?
A fusão de estilos e linguagens é uma marca nos trabalhos liderados por mim e/ou pelo Bruno, é uma forma que temos de entender, de viver a música e a criação musical. O Colectivo Gira Sol Azul apresenta-se noutros formatos e contextos, nomeadamente no festival ‘Que Jazz É Este?’, sob a direcção de Joaquim Rodrigues. O Colectivo (re)interpreta temas de um artista convidado, com arranjos, com uma marca forte do Joaquim, onde é o jazz que predomina, sem dúvida. Chegar a novos ou a mais públicos é sempre bom e algo que se deseja, mas acima de tudo queremos ser genuínos e livres. Importa fazermos o que acreditamos e o que para nós faz sentido a determinado momento. É mais que válido e interessante fazer-se um trabalho numa linguagem mais específica e particular e até para um nicho pequeno de público mais restrito. No entanto, eu e Bruno temos este território comum de influências tão múltiplas que vão da música erudita ao metal, com passagem no rock; a música tradicional portuguesa, mas igualmente de outras culturas, o jazz que assumiu também um papel importante na nossa formação enquanto músicos, e o facto é que estas influências têm estado reflectidas nos vários trabalhos que fazemos, quer nas bandas, quer na música para espectáculos, etc, porque quando compomos, não colocamos limites na experimentação e não sentimos vontade de circunscrever a música que compomos a um único estilo. Pelo menos até agora!
Que projetos ou iniciativas futuras gostaria de destacar?
Estamos já a trabalhar num espectáculo e disco novo, neste modelo de processo de trabalho que experimentámos em ‘Tangerina’, ou seja, a partir da oficina ‘Musa’, que também esteve em cena na Casa da Música e que se inspirou na vida e obra de Sophia de Mello Breyner. Convidámos a encenadora, actriz e dramaturga Joana Craveiro para encenar o espectáculo, que entretanto trará à boleia um disco.
Palavras de agradecimento…. Quer deixar algumas?
Estamos essencialmente gratos às pessoas que tornam possível desenvolvermos o nosso trabalho e partilhá-lo publicamente; aos amigos que nos inspiram e aconselham, e são muitos, como o Joaquim Rodrigues, que está sempre presente, e, neste trabalho específico do ‘Tangerina’, os músicos Marcos Cavaleiro, Luísa Antunes e Xosé Miguelez, que gravaram algumas linhas do disco. Ainda às entidades que nos programam e encomendam trabalho artístico, que pode ser desenvolvido de forma independente e livre. Neste projeto, foi fundamental o início na Casa da Música e depois a coprodução do Teatro Viriato; e por último, mas não menos importante, um enorme agradecimento às pessoas que seguem e participam nos nossos trabalhos, que vêm assistir, que nos dão feedback e que deixam que o nosso trabalho faça parte das suas vidas.