A verdade é que acontece tanto na literatura como na vida – até porque é mais aquilo que as une do que aquilo que as separa, e já está escolhida uma das músicas da banda sonora deste texto, espero que o Rui Veloso não se importe – ver melhor as coisas ao longe do que ao perto. Às vezes, é preciso uma certa distância – ou distanciamento – para vermos melhor aquilo que, quanto mais debaixo do nosso nariz, mais nos passa despercebido. É por isso que o leitor está em vantagem relativamente às personagens, que estão mergulhadas na ação e são conduzidas até ao final – nem sempre feliz, porque também aqui a literatura aprendeu com a vida – sem poderem ler a história em que estão metidas, ou melhor, a história em que o autor – esse todo-poderoso que é capaz de tudo para satisfazer a sua imaginação – as meteu.
É por isso que Madalena, metida na peça até à raiz das didascálias, quando dá de barbas, ai, perdão, de caras, com o peregrino, olha para o Romeiro sem conseguir ver D. João de Portugal, quando nós, leitores, muito antes da anagnórise, já sabíamos quem era, embora pudéssemos não saber o que era uma anagnórise. Não é possível ver a ilha estando na ilha, não foram estas as palavras exatas de Saramago, mas foi isto que disseram, que há muitas formas diferentes de dizer a mesma coisa.
É por isso que Macário, em Singularidades de uma rapariga loura, não consegue ver, a não ser já na ourivesaria da Rua do Ouro – isto é quase como dizer subir para cima ou descer para baixo – aquilo que a nós, leitores perspicazes que envergonhariam qualquer Poirot – tenho as minhas dúvidas quanto a Miss Marple – saltou aos olhos desde que Luísa entrou no armazém para ver os lenços da Índia que desapareceram misteriosamente sem fazer adeus: ora aqui está uma amiga do alheio, abre os olhos, Macário, pensa, homem, porque é que ela se chama Luísa e é loura, os dentinhos como pérolas, tu não conheces o Eça, pois não, nem podes voltar atrás para lhe perguntar sobre aquele leque que lhe viste nas delicadas mãos, estás tramado, mas é assim, estás na ilha, e o amor é cego.
Podia ser um anel de rubi, mas era um anel com dois brilhantes. Vai dar ao mesmo. Há muitas formas diferentes de dizer a mesma coisa. Pelo menos, a igreja não chegou a estar iluminada.
Elisabete Bárbara