A propósito de há dias atrás ter visto nas redes sociais colegas actores dizendo que não vinham com os seus espetáculos à Beira (ou melhor ao distrito de Viseu), porque o público não ria, eu que não sendo beirão, vivo na Beira há quase duas décadas, e tenho uma opinião acerca destas gentes, pensei em expressá-la nesta crónica.
Há uma crença que circula pelo país, sobretudo nas conversas descontraídas entre amigos ou nos relatos de quem já visitou as Beiras, de que os beirões têm dificuldade em rir. Talvez seja um daqueles estereótipos que o tempo vai alimentando, mas, como em muitos ditos populares, há sempre uma pontinha de verdade que os sustenta.
O beirão, aquele homem ou mulher moldado pelo granito das serras, pelo rigor das estações e pela dureza da terra, não tem a vida leve que muitos imaginam ao ver as montanhas a perder de vista. Cresceu num ambiente onde o trabalho é sempre o centro, onde as longas jornadas no campo ou o isolamento das aldeias requerem um espírito forte e resiliente. E, por vezes, esta resiliência reflete-se num semblante mais fechado, numa postura que, ao olhar de fora, parece difícil de quebrar.
Mas será mesmo que os beirões têm dificuldade em rir? Ou será que o riso deles é apenas diferente do habitual? Menos expansivo, talvez. Mais guardado. Porque, na verdade, o beirão ri — e ri com gosto —, só que o faz à sua maneira. O humor dos beirões não é de gargalhada fácil, como o das gentes das zonas litorâneas. Não há a exuberância do riso rápido. Em vez disso, há uma espécie de humor subtil, quase enigmático, que surge em pequenas doses. Um sorriso discreto ao canto da boca, uma piada dita com o tom de quem parece estar a partilhar um segredo, uma observação tão seca quanto a vegetação das serras no verão.
Talvez esta “dificuldade” em rir seja, na verdade, uma forma diferente de expressar o humor, mais introspectiva e cautelosa. Há uma sabedoria que se reflete no modo como os beirões veem o mundo — uma sabedoria que compreende que, nas adversidades da vida, rir pode ser um luxo que nem sempre se pode dar. Ou, simplesmente, que o riso deve ser reservado para os momentos certos, como uma recompensa após a luta diária.
O riso do beirão não é o riso da troça ou do exagero. É um riso de cumplicidade, de quem sabe que a vida tem os seus altos e baixos e que, se nos rirmos demasiado de um lado, podemos perder o equilíbrio do outro. Talvez por isso se guarde o riso, se deixe amadurecer como o bom vinho do Dão, para que quando finalmente se liberta, ele seja profundo, verdadeiro, um riso com alma.
No fundo, o que os beirões nos ensinam é que o riso não tem de ser imediato nem constante. Ele pode ser silencioso, discreto, quase imperceptível, mas, quando surge, é tão sólido como as serras que os rodeiam. Afinal, rir é uma questão de temperamento e, na Beira, até isso é moldado pelas montanhas.