Num mundo repleto de pressa e rotinas, há cabeças que vivem enclausuradas, seguras na sombra da
ignorância. São fortalezas de certezas repetidas, imunes ao espanto. Mas a arte, ah, a arte tem uma
chave mágica capaz de abrir essas portas fechadas. No primeiro instante em que uma pintura, uma
escultura, ou uma sinfonia ousa cruzar a visão dos incultos, algo muda. Não é uma mudança brusca,
mas uma chispa que dança no escuro.
Pensemos numa pessoa que, pela primeira vez, se senta para ouvir por exemplo um quarteto de
cordas ou apreciar um bailado. O som, feito de cordas pulsando e vibrando em harmonia, ou o
movimento esteticamente belo dos corpos, infiltra-se pelos poros e arrasta memórias e emoções que
nem sabia ter. A mente, antes rígida e imóvel como pedra, começa a suavizar-se, a moldar-se como
argila. É assim que a arte faz: não ensina, mas desperta.
À medida que essa exposição se repete – em quadros que narram histórias sem palavras, em filmes
que transcendem a mera imagem, ou em poemas que distorcem e curvam as leis da linguagem – a
alma daquele que antes era cego abre-se como uma flor desabrochando ao sol. E nesse momento, a
beleza não é mais algo que se vê, mas algo que se sente, que se torna parte do próprio ser. A cabeça
que um dia foi uma fortaleza passa a ser uma casa com janelas abertas, onde o ar fresco da criação
entra livremente.
A arte, afinal, não existe apenas para ser contemplada : ela planta raízes profundas e transforma
tudo ao seu redor. E é assim que, gentilmente, vai rompendo os muros da ignorância e espalhando
as suas cores em mentes antes cinzentas.
António Leal