
Há dois anos atrás aceitei apresentar um livro de uma senhora aposentada da profissão docente, que eu mal conhecia, e fiz uma nova e empenhada amiga. A Fernanda Judite, avó e sempre professora primária, ao longo de décadas procurou incutir nos seus alunos e descendentes a paixão pela leitura, que muitas vezes leva ao gosto e paixão pela escrita (como aconteceu pessoalmente).
Quando lhe perguntei “o que andava a ler”, ela respondeu-me “os Lusíadas”, mas porque não se lembrou na hora do escritor japonês Haruki Murakami. Uns tempos depois recebi na caixa do correio um volume espesso e pesado, abri e o meu espanto: era a obra “O Impiedoso País das Maravilhas e o Fim do Mundo” de Haruki Murakami.
São 560 páginas, mas não nos pesam nos olhos nem na alma. A obra é uma verdadeira poesia narrativa. Resumindo o enredo: para se deslocar ao laboratório de um velho professor com fama de homem da Renascença do nosso tempo, um técnico informático apanha um elevador, lento ao ponto de uma pessoa não saber se está a subir ou a descer. À chegada, é recebido por uma jovem bonita e rechonchuda. O programador segue atrás da mulher vestida de cor-de-rosa por corredores que nunca mais acabam e por caminhos subterrâneos, aspirando profundamente a fragrância de melão que a nuca dela exala. No entanto, nem sequer ouve o rumor da respiração e é como se as palavras que lhe saem da boca chegassem aos seus ouvidos através de uma espessa parede de vidro. Às tantas, parece-lhe que a jovem de formas arredondadas terá dito qualquer coisa como «Marcel Proust». Marcel Proust? Bem-vindos ao impiedoso país das maravilhas.
Numa pequena e fantasmagórica cidade, rodeada por uma muralha que a separa do resto do mundo, vivem seres humanos privados da sombra e dos sentimentos. Habituados desde há muito a conviver tranquilamente com a ausência de emoções, todos se mostram satisfeitos e em paz. Ninguém envelhece, ninguém morre. A que se deve tal proeza? Aparentemente, ao facto de não terem coração. Com efeito, as pessoas deixam de ter sombra mal passam a viver dentro das muralhas. A esta cidade nos confins do mundo chega um jovem de trinta e cinco anos, que tem por missão ler «os velhos sonhos» nos crânios dos unicórnios. Com a ajuda da bibliotecária, que revela um apetite prodigioso até dizer basta, o programador propõe-se recolher recordações e fragmentos de outras vidas, pertencente a uma outra possível dimensão.
Segundo os críticos, este livro marca «O golpe de mestre que provocou o reconhecimento de Haruki Murakami a nível internacional.» De uma leitura que nos conduz a imagens pormenorizadas de um mundo imaginário quase caótico, narrativa que nos aproxima dos maiores contadores de estórias de outros tempos.
Haruki Murakami é, sem dúvida, um autor de culto, lido por todas as gerações e procurado com especial curiosidade pelos jovens leitores, encontrando-se traduzido em mais de 50 línguas. Sendo um dos escritores japoneses contemporâneos mais divulgado em todo o mundo, é simultaneamente aplaudido pela crítica, que o considera um dos «grandes romancistas vivos» (The Guardian).
Haruki Murakami recebeu vários doutoramentos honoris causa pelas universidades do Havai, Liège e Princeton em reconhecimento da sua obra, recompensada através da atribuição de importantes galardões internacionais, com destaque para os prémios Noma, Tanizaki, Yomiuri, Franz Kafka, Jerusalém e Hans Christian Andersen.
Mais uma obra (e um escritor) a integrar na nossa biblioteca de leituras obrigatórias.
Abraço amigo. Carlos Almeida