Esta é a época do ano em que muitas crianças começam a sua prática desportiva federada. Muitos sonhos legítimos acompanham essas crianças, e as expectativas, para alguns, são bastante elevadas.
Mas faz parte do processo. Todos temos o direito de sonhar e de lutar pelos nossos sonhos. Enquanto não chegarem a casa a dizer: “Eu já não me divirto. Eu já não gosto.”, está tudo bem. Só nessa altura é que rebobinamos o filme e nos damos conta do comportamento ao longo de anos e anos. Embora as famílias façam muitos sacrifícios e sejam em grande parte o suporte da prática desportiva de formação, a verdade é que a repetição de muitas atitudes inadequada leva à saturação e ao abandono do desporto pelas crianças.
Um estudo recente sobre o abandono da prática desportiva, realizado pela Universidade Pablo de Olavide em Sevilha e pela Universidade de Huelva, concluiu que 40% dos adolescentes abandonam o desporto por cansaço. O abandono da atividade física é uma verdadeira epidemia que afeta o desporto, porque este é um dos espaços onde as crianças ainda podem brincar, experimentar, decidir, errar e aprender. E estamos a privá‑las de o fazerem.
As causas desta elevada taxa de abandono são diversas, mas têm em comum uma conceção errada do desporto por parte dos pais e outros intervenientes na prática desportiva.
Na formação, exige-se demais, e isso é perigoso. Na Europa, muitas competições federadas começam aos cinco anos. Existem treinadores, clubes e instituições que dependem dos seus resultados. A especialização precoce, o excesso de competitividade, a imposição da vitória como único propósito e a pressão exercida por muitos pais e clubes fazem com que muitas crianças sofram de ansiedade e stress. Em consequência, muitas delas abandonam o desporto prematuramente.
Já não restam dúvidas de que quanto maiores são as expectativas dos pais, maiores são as probabilidades de frustração dos filhos. O desporto movimenta muito dinheiro: venda de merchandising, mensalidades nos clubes e academias, aluguer de espaços desportivos, torneios, agentes na procura de talentos… E as maiores vítimas são as crianças.
Aos pais, sugiro que se coloquem as seguintes questões: Porque é que não consigo ficar à margem do campo e simplesmente desfrutar do jogo, independentemente do resultado? Porque valorizo tanto a vitória e o sucesso? Não será melhor aprender com as consequências que essas atitudes têm?
O artigo 79.º da Constituição diz que todas as pessoas têm direito à cultura física e ao desporto e que o Estado tem de promover esta prática e prevenir a violência no desporto. Sendo as famílias o grande suporte da formação, cabe-lhes também a elas fomentar estes valores.
Vitor Santos
Embaixador do Plano Nacional de Ética no Desporto