ARTIGO DE OPINIÃO: Entretenimento e Cultura – Uma Convivência Possível?

10/10/2024 18:15


Vivemos num tempo em que, por vezes, parece que o entretenimento puro e duro reina soberano. As plataformas de streaming transbordam de séries e filmes de ação vertiginosa, “reality shows” que prometem drama em doses cavalares e programas de competição onde a vitória é tudo o que importa. Com tanta oferta para distrair, relaxar e, muitas vezes, anestesiar a mente após um longo dia de trabalho, será que ainda há espaço para valorizar a Cultura? Como podemos resgatar a riqueza do nosso património cultural num mar de distrações?

A verdade é que a Cultura, nas suas formas mais clássicas – teatro, literatura, pintura, música erudita – parece ter ficado relegada para um canto de nicho, um clube reservado a uns poucos que se sentem confortáveis com ela. No entanto, a questão não deve ser colocada de forma tão dicotómica. Entretenimento e cultura não precisam de ser opostos. Aliás, podem (e devem!) coexistir. Um dos primeiros passos para valorizar a cultura neste cenário é compreendê-la como algo dinâmico, adaptável e, acima de tudo, acessível. Não estamos no século XIX, onde a ópera era exclusivamente apreciada pelas elites em salas douradas. A cultura está nas ruas, nos ecrãs dos nossos telemóveis, nas redes sociais. Está no graffiti que dá cor à cidade, nas telenovelas que refletem os dramas quotidianos e nas canções de rap que contam as histórias das periferias. Esta nova forma de ver a cultura é uma mistura entre o entretenimento e o significado profundo.

Mas há uma tensão a resolver: como conseguimos que as gerações mais jovens, que consomem conteúdos a uma velocidade impressionante, apreciem a complexidade de uma obra de arte ou a profundidade de um romance clássico? Talvez a resposta não esteja em exigir que deixem de lado o que gostam para consumir o que achamos “mais valioso”, mas sim em fazer pontes. Se o TikTok, por exemplo, é o canal onde muitos jovens se informam e divertem, porque não levar a cultura até lá? Mini-vídeos sobre a vida de Fernando Pessoa, desafios de dança ao som de música de Amália, ou até debates sobre questões filosóficas inspirados em séries televisivas.

Outro ponto crucial é o papel da educação. As escolas devem ser laboratórios de criatividade onde a Cultura é ensinada não como uma obrigação pesada, mas como uma fonte de inspiração e prazer. O acesso à Cultura não deve ser uma obrigação escolar, mas uma experiência que encanta. E, fora das escolas, as instituições culturais – museus, teatros, bibliotecas – precisam de se reinventar, encontrar novas formas de contar histórias e de cativar um público que, muitas vezes, já não se sente atraído por formatos tradicionais.

E a verdade é que os consumidores de entretenimento não são, como se poderia pensar, avessos à cultura. O que muitas vezes falta é uma porta de entrada acessível, uma narrativa envolvente que mostre que a cultura não é algo distante, arcaico e inacessível. Veja-se o sucesso de séries como The Crown ou
filmes como O Discurso do Rei. São entretenimento, claro, mas trazem consigo um mergulho na História, uma porta para um tempo e costumes que muitos não conheciam e que acabam por fascinar. Há, portanto, um espaço enorme para criar formas de entretenimento que respeitem e celebrem a cultura, sem perder o apelo popular.

Em última análise, a questão não é escolher entre entretenimento e Cultura, mas perceber que ambos podem e devem alimentar-se mutuamente. A Cultura não precisa de se enclausurar em redomas elitistas e o entretenimento não tem que ser sinónimo de superficialidade. O desafio que se coloca hoje, talvez mais do que nunca, é encontrar formas de misturar o prazer de ver, ouvir e sentir, com a profundidade e riqueza da nossa herança cultural. Afinal, é possível divertir e, ao mesmo tempo, educar. É possível valorizar o que é nosso sem que isso pareça um sacrifício.

No fundo, é como aquele bom prato que nos serve conforto e surpresa ao mesmo tempo. Precisamos de criar entretenimento que alimente a alma – e a Cultura tem o tempero perfeito para isso.

António Leal

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