ARTIGO DE OPINIÃO: Com música de Carlos Paredes

19/02/2025 18:15

Faria 100 anos se fosse vivo.

Carlos Paredes e Manuel Alegre juntaram-se nos estúdios da Valentim de Carvalho no dia 19 de julho de 1974 para a gravação do álbum «É preciso um país». Poemas ditos na voz do poeta e musicados de improviso pelo guitarrista, a tocar guitarra portuguesa de som grave, o citolão.

É ao som deste trabalho que escrevo este texto. Trata-se de um trabalho magnífico em que a palavra, a voz e o som das cordas se misturam numa simbiose perfeita.

Duas almas portuguesas carregadas de poesia. Sim, a nossa literatura nasceu como poema e destinava-se a ser musicada e cantada. Uma ligação indissolúvel entre a palavra poética e a música. O disco reúne 21 poemas de Alegre, poemas ditos de intervenção como: «É preciso um país», «Lusíada Exilado», «Trova do vento que passa», «Portugal em Paris», «No meu país há uma palavra proibida» ou «Poemarma». Poemas muitos deles escritos no exílio e partilhados de modo clandestino num país oprimido.

Deste conjunto, destaco um notável poema de amor ao nosso país, «Raiz» de O canto e as armas (1967), uma das obras maiores de um poeta resistente. Também Carlos Paredes se opôs à ditadura e por isso foi preso nos calabouços da PIDE. Destino comum.

Canto a raiz do espaço na raiz

do tempo. E os passos por andar nos passos

caminhados. Começa o canto onde começo

caminho onde caminhas passo a passo.

E braço a braço meço o espaço dos teus braços:

oitenta e nove mil quilómetros quadrados.

E um país por achar neste país.

Os sons sibilantes. As sílabas ciciadas. Os dedos ágeis, céleres sobre as cordas. Movimento ora lento, ora rápido. Notas entrecortadas de silêncios. Silêncios que falam. Interrompidos por um voo de asas nos dedos de Paredes. Deixamos o texto e deixamo-nos levar pelo som que transforma versos em música. Ambos saídos de mãos. E as palavras e a música, de novo em uníssono, formam gritos dentro de nós. Levitamos numa espécie de nostalgia tão nossa, tão portuguesa, a que chamamos saudade.  A Música dedilhada pelo mestre da guitarra leva-nos para um tempo fora do tempo, um tempo talvez de esperança, num «movimento perpétuo».

Manuel Alegre afirmou que a música de Carlos Paredes era «a música de fundo de várias gerações.» O som inimitável da sua guitarra perdurará nos nossos ouvidos e na afirmação da nossa identidade «oitenta e nove mil quilómetros quadrados».

Paredes é Portugal. Um dia destes, ao regressar de Berlim, entrei num avião com o nome Carlos Paredes e vim até Lisboa a tamborilar os «Verdes anos» e a trinar quase em surdina os sons da «Balada de Coimbra» que foi e será sempre o meu grande encontro com Paredes, na sua cidade.

Ana Albuquerque

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