Invariavelmente é assim, parece endógeno à condição do político português, sempre seguindo por caminhos contrários ao que deve.
Quando a vida colapsa e as esperanças de melhores dias vão ruindo, ao invés de os partidos se preocuparem com o que de essencial mexe com o vulgar cidadão, entretêm-se com questões de ciência política, tudo abstracções, quando comparadas com o garrote que se apertava cada vez mais à nossa volta, quase nos esmigalhando os ossos no patíbulo, fazendo-nos lembrar as torturas do Marquês de Pombal aos Távoras.
As luminárias do costume, pessoas de grande ilustração e saberes, normalmente encostados aos bastidores da governação, vão reflectindo e teorizando sobre as questões do regime que, no seu excelso critério, poderão melhorar a pólis.
E vai daí, reúnem-se em sofisticados e selectos clubes de pensadores onde, a tempo estudado e nada inocente, dão largas à sua fecunda imaginação que, porém, nada mexe com o dia-a-dia dos cidadãos.
Lembraram-se os ditos cujos, seguidos do sôfrego CDS, ansioso por entrar na dança, da revisão constitucional, sabendo de antemão que ela vai dar em nada, por duas singelas razões:
- Para a sua viabilização, é necessária uma maioria reforçada que não dispensa os votos favoráveis dos dois maiores partidos: PS e PSD;
- O confronto habitual entre ambos os partidos e a necessária afirmação de Montenegro como líder da oposição, afastam acordos, mesmo que um e outro, irmanados na mesma farsa, dêem a entender que vão cedendo e colaborando.
Com esta prosaica prioridade, sabe o governo, ao alimentá-la, que dá corpo ao que mais lhe convém: desviar as atenções do atoleiro em que está metido, com constantes suspeitas de atropelos à lei e de que a comunicação social numa cadência desenfreada vai fazendo eco.
O estranho é que o PSD, com tantos assuntos para “cavalgar” e bem desgastar o governo, alinhe nestas diatribes que vêm em contraciclo e a despropósito.
Muito francamente, e de coração aberto, o que interessa ao povo, neste momento, o endrominado processo de revisão constitucional? Põe-lhe mão na mesa, desce o preço dos combustíveis, baixa a inflação? Não! Então, se não, alinhe-se o pelotão e vá direito ao inimigo, a economia, tentando derrubá-lo para que, enfim, se possa cantar vitória.
Mas como não temos ministro da economia, ou o que temos, sai pelos fundos de uma escola, como se de um foragido se tratasse, o esperável é que as coisas não melhorem.
Entretanto, aí tem o governo uma prenda trazida em bandeja da melhor prata: o campeonato do mundo de futebol, servido em três doses diárias.
E enquanto houver bola a rolar, não há problemas a preocupar.