ARTIGO DE OPINIÃO: ANNA NA SELVA – Hugo Pratt (o princípio)

05/03/2025 18:30

Das minhas crónicas literárias que se vão revelando neste e noutros espaços de opinião, tenho deixado a entender preferências e paixões pelo género da Banda Desenhada. Comecei de pequenito, ainda sem saber ler, a colecionar recortes (tiras e pranchas) de jornais, como o 1.º de janeiro, entre outros. Depois surgiram as revistas (quando passei a estudar em S. Pedro do Sul, no antigo Liceu., e passava longos minutos a sorver com ansiedade as capas das revistas espalhadas pelo passeio, em frente ao Café Edgar, na expetativa de juntar uns escudos para comprar e desfolhar as mesmas com voracidade – Mundo de Aventuras, Falcão, Jornal o Grilo, seleções BD, TEX, Zorro, Tarzan, Príncipe Valente, … ). 

Depois vieram os álbuns e as coleções, já adulto. E no rol de preferências não poderia deixar de viver a obra de Hugo Pratt. Hoje (e para honrar as Mulheres neste mês de março), deixo-vos a proposta de leitura (e admiração) daquela que foi uma obra iniciática, inspirada nos percursos antigos de uma juventude maravilhosa passada em África (experiência exótica vivida pelo desenhador ainda jovem, através de vicissitudes e peregrinações inesquecíveis).  

Ao regressar de África, era um rapaz de dezasseis anos que hesitava entre ir para o liceu ou tentar a escola de artes, onde podia testar a minha vocação para o desenho.” Assim escreveu um dia Hugo Pratt, recordando a sua estadia em África durante seis anos nos quais vivenciou o absurdo da aventura colonial italiana. Esses seis anos inspirar-lhe-iam inúmeras histórias de banda desenhada, como as que se encontram reunidas neste álbum.

São quatro histórias protagonizadas por Anna Livingston e Daniele Doria, que decorrem em 1913 na aldeia de Gombi, na África Oriental nos meses que antecedem a I Guerra Mundial. O espectro de um cacique, uma maldição milenar, um tráfico obsceno de escravos e um entrelaçamento de ganância, amizade e amor: são estes os pontos de partida para cada uma das quatro histórias, inicialmente publicadas em agosto de 1959 no número 1 da revista argentina Super Totem (e que em 1963 chegaram às páginas da publicação italiana Corriere dei Piccoli). 

Uma inquietante e perturbadora aventura em quatro partes, onde o colonialismo é visto através dos olhos de uma jovem, e na qual Hugo Pratt esboça já um marinheiro imprevisível (que nos acompanharia através de múltiplos álbuns na figura do capitão Corto Maltese). . Esta edição, que integra a Coleção Obras de Pratt em publicação na Ala dos Livros, conta também com documentação extra e aguarelas do autor. As histórias são narradas a um ritmo alucinante, em pranchas de uma paleta tricolor (amarelos e laranjas que se abraçam aos brancos e pretos fortes, cores quentes sobre um território em chamas). Lê-se de um fôlego, ou em abraços demorados, para tudo absorver com delícia.  Uma relíquia para qualquer boa Biblioteca de apaixonado pelas artes/literatura. 

Boas leituras. Felicidades para as nossas Mulheres. 

Carlos Almeida

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