Crónica sobre a subversão da Cultura nos corredores do Poder
Há um murmúrio que percorre os corredores do poder — um sussurro disfarçado de discurso, uma sombra que paira entre secretárias de ministros e gabinetes bem iluminados. Ali, onde se esperava que a Cultura fosse alimento para a democracia, tornou-se muitas vezes só adorno, moeda simbólica, ou pior: ameaça a ser domada.
Nos salões onde se desenham orçamentos e se afinam estratégias políticas, a Cultura entra com sapatos de feltro, discreta, para não incomodar os planos de crescimento. Quando fala alto, é acusada de agitadora. Quando se cala, é elogiada pela “maturidade”. Mas a subversão acontece precisamente quando os criadores recusam esse papel decorativo — e persistem.
Há quem ache que subverter é destruir. Mas na Cultura, subverter é revelar. É mostrar que os mitos nacionais são mais complexos do que os discursos oficiais. É denunciar a desigualdade onde só se celebra o progresso. É rir quando o poder exige reverência. É levantar a voz quando se espera aplauso.
Nos corredores do poder, a Cultura é tolerada — desde que não morda. Mas há artistas que não sabem fingir que são inofensivos. E é graças a eles que a sociedade se lembra, de tempos em tempos, que o poder não é absoluto. Que a verdade tem mais formas do que leis. E que a liberdade, essa sim, é sempre subversiva.
António Leal
Encenador/Diretor Artístico