No mundo do Desporto, os treinadores desempenham um papel fundamental não só no desenvolvimento técnico dos atletas, mas também na educação da Nação. Por isso, a capacidade pedagógica e a experiência de vida são dois pilares que sustentam a eficácia de um treinador e a compreensão da verdadeira essência desta profissão exige a consideração destes aspetos. No entanto, é igualmente importante abordar os desafios que ocorrem em alguns clubes e que podem ter um impacto negativo no desenvolvimento dos atletas e na dinâmica do próprio desporto.
Capacidade Pedagógica
A capacidade pedagógica de um treinador refere-se à sua habilidade de ensinar, orientar e inspirar os seus atletas. É importante não só conhecer as técnicas e táticas do desporto, mas também comunicá-las de forma clara e motivadora. Um bom treinador deve ter excelentes capacidades de comunicação e ser capaz de adaptar o seu estilo de ensino às necessidades individuais de cada atleta.
De acordo com estudos na área da pedagogia do desporto, a capacidade de um treinador para criar um ambiente de aprendizagem positivo está associada a um maior envolvimento e desempenho dos atletas (Horn, 2002). A Teoria da Autodeterminação, proposta por Deci e Ryan (1985), afirma que atletas que sentem apoio à sua autonomia, competência e relação social são mais propensos a apresentar maior motivação intrínseca, levando-os a um melhor desempenho e satisfação no desporto.
Experiência de Vida
A experiência de vida de um treinador é igualmente crucial. Ela traz uma bagagem rica de vivências que podem ser partilhadas com os atletas, oferecendo-lhes perspetivas valiosas sobre desafios, superação e resiliência. Por exemplo, treinadores que já foram atletas, têm uma compreensão aprofundada das pressões e expectativas que os seus pupilos enfrentam. Esta empatia facilita a criação de laços de confiança e respeito, essenciais para uma relação treinador-atleta eficaz.
A investigação na área da psicologia do desporto enfatiza a importância das experiências de vida no desenvolvimento da liderança. Segundo Gould e Voelker (2010), treinadores com vasta experiência desportiva são mais capazes de aplicar estratégias eficazes de comunicação e gestão de conflitos, contribuindo assim para um ambiente de treino mais harmonioso e produtivo.
A experiência de vida também contribui para a capacidade de tomada de decisões em situações de alta pressão. Treinadores experientes sabem como lidar com as vitórias e as derrotas, equilibrar a motivação da equipa e manter a moral elevada, independentemente das circunstâncias. Esses treinadores são modelos de comportamento e demonstram através das suas próprias ações a importância de valores como dedicação, a ética e a perseverança.
Problemas e Desafios em alguns Clubes
Infelizmente, nem todos os clubes oferecem um ambiente ideal para o desenvolvimento dos atletas. Existem exemplos menos positivos que podem afetar a eficácia dos treinadores e a evolução e desenvolvimento dos atletas.
- Falta de formação e atualização: Alguns treinadores não se esforçam para se atualizarem constantemente e permanecem presos a métodos ultrapassados, podendo resultar em treinos inadequados que desmotivam os atletas e limitam o seu potencial. Um estudo de Côté e Gilbert (2009) destaca a necessidade de formação contínua de treinadores visando a melhoria das suas competências pedagógicas e técnicas.
- Treinadores inexperientes e jovens demais: Em alguns clubes, especialmente nas camadas mais jovens, é comum encontrar treinadores/monitores sem formação, com pouca idade e sem experiência. A falta de maturidade e vivências pode levar a abordagens inadequadas e menos eficazes no treino e no desenvolvimento dos jovens atletas. Segundo estudos, a experiência e a maturidade são cruciais para a criação de um ambiente de treino seguro e estimulante para as crianças e adolescentes (Lyle, 2002).
- Pressão exacerbada por resultados: Em alguns clubes, a pressão excessiva por resultados imediatos pode levar os treinadores a adotarem práticas prejudiciais, como sobrecarregar fisicamente os atletas ou utilizar métodos de treino que não levem em consideração a saúde e bem-estar dos jogadores. Estudos mostram que a pressão extrema pode levar ao burnout e até à desistência dos atletas (Gustafsson et al., 2011).
- Ambiente tóxico: A falta de uma cultura positiva dentro de um clube pode criar um ambiente tóxico onde o bulliying e a falta de respeito são comuns. Os treinadores que não possuem habilidades interpessoais adequadas ou que são movidos por interesses ambíguos, podem contribuir para um clima de tensão e medo, o que pode impactar negativamente o desempenho e a saúde mental dos atletas, bem patente na investigação de Stirling e Kerr (2013).
- Nepotismo e falta de meritocracia: Em alguns casos, decisões relacionadas a recrutamento, contratações e promoções dentro de um clube podem ser influenciadas por favoritismos e nepotismo e não por mérito. Isto cria um ambiente de injustiça e desmotivação entre os atletas.
- Negligência com categorias de base: Muitas vezes, os clubes negligenciam as categorias de base e focam-se apenas na equipa principal, acabando por perder talentos promissores. A falta de investimento em treinadores qualificados nessas categorias resulta num subdesenvolvimento dos jovens atletas, reforçando assim que a formação adequada nas categorias de base é crucial para o desenvolvimento a longo prazo dos atletas (Ford et al., 2011).
O Equilíbrio Perfeito
Um treinador excecional combina ambos os aspetos – a capacidade pedagógica e a experiência de vida. Ele não só ensina técnicas e estratégias desportivas, mas também transmite valores e habilidades que serão úteis para a vida dos atletas. Ele é capaz de adaptar os seus métodos de ensino às necessidades individuais, ao mesmo tempo que transmite o conhecimento que adquiriu ao longo dos anos.
Em resumo, a capacidade pedagógica e a experiência de vida são interdependentes e complementares. Os treinadores que possuem ambos podem desenvolver atletas de forma holística e produzir não apenas campeões do seu desporto, mas também cidadãos preparados para os desafios da vida. Portanto, ao apostarmos e investirmos no desenvolvimento contínuo dos treinadores, contribuiremos significativamente para o futuro do desporto e da sociedade.
Este equilíbrio é a chave do sucesso e deve ser o objetivo de todos os que aspiram a ser grandes treinadores. No final de contas, no desporto como na vida, o verdadeiro valor está no caminho percorrido e nas lições aprendidas ao longo desse trajeto.
Referências
- Côté, J., & Gilbert, W. (2009). An integrative definition of coaching effectiveness and expertise. International Journal of Sports Science & Coaching, 4(3), 307-323.
- Deci, E. L., & Ryan, R. M. (1985). Intrinsic motivation and self-determination in human behavior. Springer Science & Business Media.
- Ford, P. R., Ward, P., Hodges, N. J., & Williams, A. M. (2011). The role of deliberate practice and play in career progression in sport: The early engagement hypothesis. High Ability Studies, 20(1), 65-75.
- Gould, D., & Voelker, D. K. (2010). Youth sport leadership development: Leveraging the sports captaincy experience. Journal of Sport Psychology in Action, 1(1), 1-14.
- Gustafsson, H., Hassmén, P., Kenttä, G., & Johansson, M. (2011). A qualitative analysis of burnout in elite Swedish athletes. Psychology of Sport and Exercise, 9(6), 800-816.
- Horn, T. S. (2002). Coaching effectiveness in the sports domain. Advances in sport psychology, 2, 309-354.
- Lyle, J. (2002). Sports coaching concepts: A framework for coaches’ behaviour. Routledge
- Stirling, A. E., & Kerr, G. A. (2013). Abused athletes’ perceptions of the coach-athlete relationship. Sport in Society, 16(7), 908-922.
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