Ao longo dos últimos anos, tenho acompanhado de perto a evolução da ciência do desporto e o impacto que esta tem tido na preparação dos atletas. Hoje em dia dispomos de metodologias avançadas, tecnologia de monitorização e ferramentas que permitem otimizar a performance como nunca antes. No entanto, como treinador e especialista na área, apesar de todo este progresso, os mesmos erros continuam a repetir-se, época após época. Um dos mais graves continua a ser a má gestão da carga de treino, especialmente na pré-época.
O mito de que um volume excessivo de treino na pré-época fortalece os atletas persiste, mas a ciência mostra o contrário. Em vez de preparar melhor os jogadores, esta abordagem pode ter exatamente o efeito oposto, criando fadiga extrema, perda de capacidade de adaptação e um aumento drástico do risco de lesões, comprometendo o rendimento a longo prazo. A linha entre a excelência e a integridade física dos atletas é mesmo muito ténue e, ignorá-la, leva a consequências que seriam evitáveis.
A ciência já demonstrou, repetidamente, que a forma como a carga de treino é gerida faz toda a diferença no rendimento e na prevenção de lesões. No entanto, por incrível que pareça, muitos continuam a ignorar estes dados como se fossem meros detalhes sem importância. Confunde-se volume com qualidade, como se mais horas de treino significassem automaticamente um melhor desempenho. Nada poderia estar mais errado. Na minha opinião, o segredo está no equilíbrio ao ajustar a intensidade, o volume e a recuperação de forma inteligente.
Alguns estudos reiteram que os atletas correm maior risco de lesão quando há aumentos bruscos na carga de treino. Muitas equipas tentam compensar a pausa competitiva com sessões de treino excessivas, sem qualquer período de adaptação, resultando em atletas mais desgastados e até ausentes nas primeiras semanas de competição, precisamente quando deveriam estar no seu melhor. No meu ponto de vista, a pré-época não deve ser um período de desgaste extremo, mas sim uma transição progressiva para as exigências competitivas. O foco deve estar na adaptação gradual e no equilíbrio entre treino e recuperação, para que os atletas cheguem “frescos” aos primeiros jogos, preparados para os desafios competitivos e menos vulneráveis a lesões.
O que realmente faz a diferença é a especificidade do treino. Avaliar o treino apenas por métricas absolutas, como a distância percorrida ou o tempo total de esforço é um erro. No futebol, por exemplo, um defesa-central pode parecer que treina pouco se considerarmos apenas a distância percorrida. No entanto, ao analisarmos aspetos como as acelerações e desacelerações, que são determinantes para o seu desempenho, percebemos que, muitas vezes, a carga imposta nos treinos supera a da competição. Ignorar esta análise pode levar a prescrições de treino desajustadas e, consequentemente, a um aumento do risco de lesões.
A grande lição que devemos retirar de tudo isto é que o volume de treino, por si só, não garante sucesso. O que realmente faz a diferença é a qualidade do trabalho e a gestão inteligente da carga. O objetivo não deve ser apenas acumular horas de treino, mas sim assegurar que os atletas estão disponíveis para competir ao mais alto nível durante toda a época.
A ciência já nos deu várias respostas, mas é preciso aplicá-las com bom senso. Continuar a insistir no erro de sobrecarga é, pura e simplesmente, negligência. Está na hora de deixar os velhos dogmas para trás e adotar uma abordagem mais inteligente, sustentável e, acima de tudo, eficaz. No desporto de alto rendimento, não vence quem treina mais, mas sim quem treina melhor.
António Lucas
Strength & Conditioning Coach