No vasto universo das artes em Portugal, onde pinceladas de talento e notas de genialidade se entrelaçam, há um fenómeno intrigante e, por vezes, desconcertante: o mau relacionamento entre os artistas. Seria de se esperar que aqueles que compartilham uma paixão comum pela criação se unissem em camaradagem e cooperação. No entanto, a realidade frequentemente revela-se bem diferente.
Em várias ocasiões, o ego artístico assume proporções colossais. É como se o palco, a tela ou a folha de papel se tornassem arenas de combate, onde cada um luta ferozmente pelo reconhecimento e pela sobrevivência. Há, sem dúvida, uma pressão constante para se destacar num mercado competitivo e pequeno, mas é lamentável ver como a rivalidade pode obscurecer o espírito de comunidade que deveria prevalecer entre aqueles que dedicam as suas vidas à arte.
Os conflitos surgem de várias formas. Desde críticas mordazes sobre o trabalho alheio, passando por intrigas nos bastidores, até a recusa em colaborar ou apoiar projetos uns dos outros. A crítica pode ser construtiva, claro, mas muitas vezes transforma-se num veneno disfarçado de honestidade. Comentários ácidos e desdém pelas conquistas alheias são comuns, criando um ambiente onde o talento não é celebrado, mas sim invejado e depreciado.
O cenário musical, por exemplo, não está imune a estas tensões. Os festivais e concertos, que deveriam ser celebrações da diversidade sonora, por vezes tornam-se campos minados de disputas pessoais e profissionais. Bandas e músicos solo envolvem-se em competições acirradas por espaço e reconhecimento, e não raro, projetos colaborativos naufragam antes mesmo de zarpar devido a desentendimentos e desconfianças mútuas.
No mundo das artes visuais, a situação não é muito diferente. Exposições e galerias muitas vezes são palco de batalhas silenciosas, onde a inveja se disfarça de crítica estética. A luta por patrocínios, espaço em galerias de renome e reconhecimento internacional pode desencadear comportamentos pouco louváveis. É triste ver como a beleza e a expressividade das obras muitas vezes são eclipsadas pelas sombras do rancor e da inveja.
A literatura, que deveria ser um refúgio de introspecção e empatia, também não escapa deste panorama. Autores que poderiam beneficiar-se imensamente da troca de ideias e experiências literárias frequentemente isolam-se, temerosos de que seus colegas possam roubar as suas ideias ou ofuscar o seu brilho. O que poderia ser um campo fértil de colaboração e crescimento mútuo, muitas vezes transforma-se num terreno árido de desconfiança e isolamento.
Claro, há exceções. Existem coletivos artísticos e movimentos que trabalham incansavelmente para promover a união e a cooperação entre artistas. Eventos que celebram a diversidade e a colaboração florescem e, neles, podemos vislumbrar o verdadeiro espírito da arte. Contudo, estes esforços muitas vezes parecem lutar contra uma corrente poderosa de individualismo exacerbado e competitividade destrutiva. Sei do que falo em sede própria.
A solução para este impasse não é simples. Requer uma mudança de mentalidade, uma disposição para ver o sucesso alheio como uma fonte de inspiração e não como uma ameaça. Precisa de um esforço consciente para criar espaços de diálogo e colaboração, onde a crítica seja construtiva e o apoio mútuo seja a norma. Acima de tudo, é necessário um reconhecimento de que a arte, em todas as suas formas, é um terreno comum onde todos têm algo a ganhar com a união e a cooperação.
O mau relacionamento entre os artistas portugueses é uma mancha numa tela que poderia ser vibrante e harmoniosa. É um desafio que, se superado, pode transformar o cenário artístico num espaço verdadeiramente coletivo, onde a criatividade e a inovação floresçam em conjunto. Afinal, na arte, como na vida, somos sempre mais fortes juntos.
António Leal