É verdade que sempre a Literatura encontrou no Natal motivo de inspiração. É também verdade que a Vida sempre inspirou a Literatura. E não é menos verdade que há vidas que são verdadeiros contos de Natal.
No passado domingo, dia 7 de dezembro, tive a alegria e a honra de apresentar, em Trancoso, o livro Momentos, Narrativa Poética, de Maria José Valverde. De entre os textos que o constituem, um houve que, por me prender particularmente a atenção, fiz questão de ler em voz alta, no sentido de tentar partilhar com os presentes – que enchiam a sala – a emoção profunda que me provocou.
Nesse conto, intitulado A vida…num momento, o narrador transporta-nos até à gelada noite de 18 de dezembro de 1966, um domingo, para nos colocar no humilde quarto de uma mulher que, em trabalho de parto muito demorado e dolorosíssimo, se vê em risco de vida, risco que partilha com o filho por nascer. A mãe da parturiente, em súplica motivada pelo desespero, pede ajuda divina: «Nossa Senhora de Fátima tem de nos ajudar, já prometemos ir a pé, em maio, se Ela olhar por esta minha querida filha, esta noite!»
Por fim, «médica e parteira, com movimentos precisos, libertam o pequeno rebento do ventre materno e cortam o cordão umbilical que os unia.», mas as palavras da médica, ao observar a recém-nascida, confirmam que «está já sem vida». A desolação é indizível. A parteira «acolhe o nado morto num lençol branco e declara que, apesar de morta, tem de ser limpa e bem vestida». No entanto, no momento em que colocam a menina numa banheira de água fria, o milagre do primeiro choro acontece e faz-se primavera em pleno e rigoroso inverno.
Com este livro, a autora nasce mais uma vez, só o choro se converte agora nas palavras luminosas que nos devolvem a esse tempo comum que, passado, se faz presente. Presente de Natal. No livro, não é dito. Fiquei a saber na tarde da sua apresentação. A mãe da menina Maria José Valverde chama-se Fátima.
Elisabete Bárbara
