ARTIGO DE OPINIÃO: A necessidade e o engenho

07/04/2023 19:04

Ao longo da nossa vida, sentimos por vezes necessidade de mudança. Normalmente, sentimos
que, para evoluir ou sair de uma situação estagnada, é imperativo mudar – refrescar a nossa
perspetiva do mundo, reposicionar o nosso lugar no quotidiano ou simplesmente abrir as janelas
para deixar entrar uma lufada de ar fresco na vida. Na minha perspectiva, o mesmo deveria
acontecer em relação a alguns (quando maus) hábitos culturais das populações, incrementando
novos hábitos, alicerçados numa nova dinâmica de futuro que se quer liberta de dogmas,
preconceitos e conservadorismos com amarras num passado bolorento.

Vejamos: A cultura de uma população é formada por um conjunto de costumes, tradições e crenças, etc.
que são transmitidos de geração em geração e que contribuem também para uma construção de
mentalidades. Acrescenta-se a tudo isto a cultura artística e seus conteúdos que, idealmente,
podem e devem adaptar-se ao público-alvo em mente. No entanto, cabe também à linguagem
artística mudar, educar, modernizar, atualizar, refrescar, informar, etc. etc. etc. Não poucas vezes,
todas estas funções de “ventilação cultural” assumem características de tarefa desafiante e
desafiadora, especialmente em regiões menos urbanas de Portugal, onde a tradição é muito
valorizada e salvaguardada. Mas, tal como acontece a nível pessoal, a mudança é muitas útil e
necessária como motor de arranque para o desenvolvimento, evolução e maturidade cultural das
comunidades. Não significa isso que a realidade e mentalidade locais não possam e devem ser
tidas em conta. A população não deve perder a sua raiz, a sua identidade, mas pode e deve “ver
além”. O importante será que todos entendam que a mudança não significa o desrespeito ou
abandono das tradições, costumes e crenças, mas sim o incorporar de novos hábitos e práticas
e formas de pensar que permitem a uma comunidade “refrescar” o seu lugar no mundo.

Na minha opinião, o ideal será fazê-lo de uma forma gradual, respeitadora e acessível, utilizando
os recursos e ferramentas adequadas e à disposição. E aí, entra obviamente o importante
contributo das boas políticas públicas que, de certa forma, incentivem e apoiem as novas
práticas desde que bem enquadradas e contextualizadas. E não falo só de incentivos financeiros.

Acreditar em nós, por vezes, não tem preço. O respeito pelo nosso trabalho; a sensibilidade ao
nosso esforço constante de coerência, sobrevivência, dignidade e qualidade; a solidariedade
sincera perante as nossas dificuldades e necessidades e, acima de tudo, uma certa vaidade por
existirmos como parte integrante da comunidade local, sem a constante delimitação politicoadministrativa ou meramente teimosa de fronteiras que não interessam nada a evolução.

Falo por experiência própria, pois abracei essa missão “comunitária”, onde desenvolvo a minha
actividade artística, tentando potenciar as capacidades e competências locais, tanto de espaços,
como de pessoas. Continuo a acreditar que, com coragem, perseverança e continuidade, a
mudança pode trazer benefícios para cada um de nós como seres individuais e, numa escala
maior, para as comunidades. Assim como contribuir para sua evolução e adaptação a novos
hábitos e desafios. Aplicando isto à Cultura e aos conteúdos artísticos, defendo que já lá diz o
povo “a necessidade aguça o engenho”. Se não aguça…. estamos mal.

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