Não é apenas uma questão de gosto pessoal, mas de simbologia. Não é apenas uma questão de moda, mas de relação com o poder. Não é apenas uma questão de imagem, mas de afirmação política e social. As barbas e os bigodes não são só barbas e bigodes, mas representam valores, estéticas e ideologias.
Se, em Frei Luís de Sousa, as excecionais barbas de D. João de Portugal são símbolo da sua virilidade, da sua honra e do seu patriotismo (qualidades que a passagem do tempo não esbate, antes sublima ao transformar as suas barbas «tão negras e tão cerradas» em «tão formosas barbas de velho, e tão alvas»), também «a barba de neve aguda e longa» do maciço Afonso da Maia (Os Maias) – de que o despeito de Maria Monforte se serve para o apelidar de «Barbatanas» – leva Carlos a compará-lo a «um varão esforçado das idades heróicas, um D. Duarte de Meneses ou um Afonso de Albuquerque», célebres figuras históricas que representam um Portugal antigo e grandioso, que entretanto «perdera o músculo como perdera o carácter» e cuja regeneração só a «sova tremenda» da invasão espanhola – na opinião de João da Ega – poderia garantir.
Ora é precisamente a inesperada tareia que Gonçalo Mendes Ramires dá a Ernesto de Nacejas que permite ao protagonista de A Ilustre Casa de Ramires honrar a raça e o nome da família, «de novo temido, repossuído do seu prestígio heroico». Ao retribuir os insultos do «valentão de Nacejas» com não menos valentes chicotadas, Gonçalo, movido por um «não sei quê» que brotou do fundo do seu ser, sentiu-se finalmente um verdadeiro Ramires, «um homem!», «um varão novo, soberbamente virilizado» e façanhudo, tão emancipado da sua inicial delicadeza – a mesma que faz com que o Fidalgo da Torre escolha uma «camisa de chita cor-de-rosa» para nos receber na sua livraria, logo à entrada da primeira página – que até o seu «bigodinho castanho, frisado e leve» é promovido de imediato a bigode, com merecido direito a «um arquear mais crespo».
Percebemos assim que, quanto mais cerrada for a barba e mais crespo e arqueado o bigode, mais os valores da raça antiga se «alevantam». Bigodinhos não servem a regeneração moral e social do velho e heroico Portugal, país que se quer de barba rija e pelo na venta.