ARTIGO DE OPINIÃO: Manuel Alegre – Um poeta de abril em maio

04/05/2022 18:56

Manuel Alegre nasceu em maio, o mês das rosas.

Num dos seus primeiros textos, “Rosas Vermelhas”, de Praça da Canção (1965) afirma «Nasci em Maio, o mês das rosas (…). Talvez por isso eu fiz da rosa a minha flor, um símbolo, uma espécie de bandeira para mim mesmo».

O poeta nasceu no dia 12. E todos os anos, pela manhã, a mãe celebrava o seu aniversário, num ritual mágico de colocação de rosas numa jarra no seu quarto de menino. Num tempo da infância, onde tudo parecia perfeito ou como diz o próprio «ou pelo menos nada tinha o sabor do irremediável».

Em 12 de maio de 1963, o cidadão Manuel Alegre estava na cadeia, vítima de condenação por insubmissão ao regime. Naquele dia, a mãe não entrou, na cela da prisão, trazendo ternamente as suas rosas, mas «(…) às dez e um quarto da manhã (que foi a hora em que eu nasci), o carcereiro abriu a porta e entregou-me, já aberta, uma carta de minha mãe. E (…) a pétala vermelha, de uma rosa vermelha, caiu, como uma lágrima de sangue, no chão da minha cela».

Por estarmos em maio, o mês das rosas, quero, hoje, aqui, homenagear a vida e a obra deste escritor, detendo-me, um pouco, num dos seus romances, A Terceira Rosa, de 1998, que foi vencedor do Prémio Fernando Namora em 1999. Trata-se de um romance de amor e morte, no qualsão inegáveis as marcas da identidade de Manuel Alegre, numa fulgurante narrativa, numerada em fragmentos, quase poema. O narrador é o companheiro de Xavier, o protagonista, os dois (ou um só) combatentes da liberdade, que regressam do exílio após a revolução de abril. 

As referências a eventos, o 25 de Abril e o 1º de Maio de 1974, e a personagens perfeitamente identificadas da nossa História recente, Humberto Delgado, Mário Soares, Álvaro Cunhal, Salgado Zenha, Piteira Santos e outros, conferem-lhe o tom memorialista de um discurso com traços de autobiografia, mas não o são. 

Embora se verifiquem muitas coincidências com a vida do autor, trata-se de uma história e nada mais. De uma história, inserida num contexto que conhecemos, é verdade, e aqui a historicidade do leitor assume um papel importante no percurso de interpretação literária, mas de uma história apenas. O tempo da história de um amor e o tempo da História de um país, a experiência vivida e recriada através da memória, intersecionam-se e ganham contornos quase reais, assumindo um cunho de autenticidade, de testemunho de uma época, de uma geração, de uma ideologia que Portugal tristemente viveu e um poeta combateu através do seu canto como arma.

O autor, Manuel Alegre, joga connosco às escondidas, num processo constante de ocultação e desocultação, que é afinal um jogo de entrega e de reinvenção. O “eu” que fala, na primeira ou noutra pessoa, é já outro. A palavra é um espelho que não reflete linearmente o objeto que nela se contempla: «A vida não cabe num livro, e o tempo, por um lado, e a própria escrita, por outro, são agentes de uma erosão que resume a existência a um certo número de biografemas».

Além do seu passado de intensa atividade política, Manuel Alegre é, hoje, um dos mais conceituados escritores de Língua Portuguesa. A sua obra literária tem sido objeto de estudo em várias universidades estrangeiras e nacionais. Foi o vencedor do Prémio Camões, em 2017. É, igualmente, considerado o poeta português mais musicado, nomeadamente por Zeca Afonso, Adriano Correia de Oliveira, Manuel Freire, Luís Cília, homens de luta contra o fascismo, que fizeram das suas vozes a voz de um povo oprimido e que Abril libertou.

Por cá, ainda há muitos que o não reconhecem. E é pena!

Celebremos, neste mês de maio, a vida do cidadão e a vida do escritor, quase indestrinçáveis, enquanto é vivo. A obra, essa perdurará para lhe fazer justiça, como o fez com tantos outros poetas, neste malfadado país do fado.

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