ARTIGO DE OPINIÃO: Padre António Vieira – Sermão de Santo António aos Peixes

24/04/2024 19:30

A primeira cousa que me desedifica, peixes, de vós, é que vos comeis uns aos outros, grande escândalo é este. Não só vos comeis uns aos outros, senão que os grandes comem os pequenos.”

Existem muitos textos clássicos que se mantêm especialmente atuais, fórmulas consistentes e permanentes de análise política e social, cultural e comportamental. Este mês foi reeditado em formato de Banda desenhada o famoso sermão de Santo António aos peixes, pregado pelo Padre António Vieira (1608-1697) num dia 13 de junho, na Igreja de São Luís do Maranhão, no Brasil (1654).

Portugal acabara de recuperar a sua independência face a Espanha, numa guerra de restauração de princípios e memórias de heroicidade. Tempos de incertezas e desconfianças, de desorientação e dúvida.

Já que os homens o não queriam ouvir nos conselhos e pregações das virtudes e na correção dos erros e rituais sociais mais mesquinhos (submersos pela imundície dos prazeres e dos rituais quotidianos), o padre António Vieira desenha-nos uma complexa alegoria sublinhando as virtudes e os defeitos de muitas criaturas do mar, comparando-as aos humanos, para que lhes sirvam de exemplo. Ora admoestando os peixes, ora os elogiando, as críticas aos humanos (seres de Deus também) multiplicam-se de forma mais contundente e consequente.

Esta edição é novamente da responsabilidade da editora LEVOIR e da RTP, dando continuidade à coleção Clássicos da Literatura Portuguesa em BD.  Com argumento de Pedro Vieira de Moura e Arte de Bernardo Majer, a obra reflete também as preocupações do padre António Vieira com a missionação dos indígenas brasileiros. O Sermão de Santo António aos Peixes foi proferido na cidade de São Luís do Maranhão, na sequência de uma disputa com os colonos portugueses no Brasil. Constitui um documento surpreendente de imaginação, habilidade oratória e poder satírico do Padre António Vieira. Com uma construção literária e argumentativa notável, o sermão tem como objetivo louvar algumas virtudes humanas e, principalmente, censurar com severidade alguns vícios dos colonos.

O álbum é de alguma simplicidade artística que nos cativa e surpreende, reforçando as alegorias com imagens fortes e sugestivas. Contém um valioso dossier pedagógico, da responsabilidade do Professor Dr. João Paulo Braga, investigador do Centro de Estudos Filosóficos e Humanísticos da Universidade Católica Portuguesa.

O Padre António Vieira foi missionário, teólogo, diplomata e orador. Nasceu em Lisboa, em 1608. Em 1614, foi para o Brasil com a família, onde mais tarde ingressou no Colégio dos Jesuítas de Salvador, Baía. Foi ordenado padre, tendo iniciado a sua carreira de pregador em 1633. Voltou a Portugal, onde participou ativamente da vida política, colocando-se em defesa dos cristãos-novos e despertando o ódio da Inquisição, o que resultou na sua prisão. É considerado o principal autor do barroco de Portugal e do Brasil. Grande orador, pregava com eloquência para índios, brancos, negros, brasileiros, africanos, portugueses, dominadores e dominados. Os seus sermões, apesar de quase sempre direcionados à pregação do cristianismo, também serviram às causas políticas de seu tempo, como a defesa do índio e da colónia.

O Sermão de Santo António aos Peixes, faz parte das leituras do 11º ano.

Carlos Almeida – professor

Abril 2024

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