Gabriel Garcia Márquez foi um grande escritor colombiano, como todos sabemos. Morreu em abril de 2014. Os seus filhos acabaram de promover a edição de um livro que resulta de uma das versões e de correções anotadas noutras pelo próprio autor ainda em vida.
No prólogo, os herdeiros falam da perda de memória do progenitor nos últimos anos da sua vida o que o foi impossibilitando de continuar a escrever. Terá sido propósito do autor que o mesmo não fosse publicado. Contudo, passados dez anos da sua morte, acabou de ser dado à estampa no nosso país, pela D. Quixote, março de 2024.
É um livro pequeno. Lê-se de um fôlego.
A protagonista é uma mulher madura que todos os anos no mês de agosto vai colocar gladíolos na campa de sua mãe que quis ficar enterrada numa ilha, onde ia com frequência.
Trata-se de um ritual que lhe permite ao mesmo tempo a saída da sua cidade e a entrega, por uma noite, a aventuras «amorosas» com desconhecidos, longe do marido e dos filhos. Este hábito torna-se um vício que ela teme que seja descoberto. Numa das suas idas à ilha fica a saber pelo coveiro que há um desconhecido que vem com frequência colocar flores na mesma campa. A filha compreende as razões pelas quais a mãe tinha querido ficar ali. Talvez o seu propósito fosse proporcionar à filha uma fuga da sua rotineira vida e viesse encontrar naquela ilha o que ela também tinha encontrado: a possibilidade de se reinventar e ser feliz.
Numa decisão sofrida na última viagem, a filha decide regressar a casa, mas desta vez com os ossos da mãe num saco. Talvez assim deixasse de procurar razões para a fuga, ou quem sabe até fosse mais fácil encontrá-las na sua cidade, onde o marido e os filhos não tinham tempo para ela. Cabe ao leitor a possibilidade de outras interpretações.
Este transportar dos ossos da mãe num saco traz-nos à memória um dos grandes romances de Garcia Márquez: Cem anos de Solidão, embora não encontremos aqui a densidade da narrativa mágica do seu autor. Nem a de O Amor nos tempos de cólera, romances inolvidáveis deste Nobel da Literatura. Contudo, gostei de o encontrar nas novidades das livrarias e apeteceu-me reler algumas das suas obras que povoam a minha estante de favoritos: Crónica de uma morte anunciada; Ninguém escreve ao coronel; Memória das minhas putas tristes, Viver para contá-la, etc.
Se este livro póstumo sabe a pouco em relação à experiência de leitura que este autor sempre nos provocou tem, no entanto, o mérito de o trazer de novo para as luzes da ribalta e proporcionar uma nova vida aos seus livros.
Quem sabe se a partir deste, esta geração de jovens que só lê o que é mais fácil não queira partir à descoberta da obra intemporal de um autor ímpar na literatura mundial?
Se assim for, já valeu bem a pena a sua publicação.
Ana Albuquerque