ARTIGO DE OPINIÃO:  Camões!

11/06/2024 18:30

Mas eu que falo, humilde, baxo e rudo,

De vós não conhecido nem sonhado?

Da boca dos pequenos sei, contudo,

Que o louvor sai às vezes acabado.

Nem me falta na vida honesto estudo,

Com longa experiência misturado,

Nem engenho, que aqui vereis presente,

Cousas que juntas se acham raramente.

Estes são alguns dos últimos versos do Canto X de Os Lusíadas, de Luís de Camões.

Se a nossa epopeia canta num tom «grandíloco» os feitos gloriosos do «peito ilustre lusitano», isto é, a memória de todos aqueles que pelos seus feitos engrandeceram pátria e levaram longe o nome de Portugal, não é menos verdade que nesta obra perpassa um tom disfórico nas múltiplas reflexões do poeta acerca da vida e da natureza humana. Encontramo-lo de forma bem amargurada nas críticas que vai tecendo aos seus contemporâneos. 

O Poeta critica veementemente a falta de sensibilidade dos portugueses em relação às artes, às letras, tomando-se como exemplo desse desdém. O próprio se afirma detentor de qualidades raras, bem merecedoras de prémio: «estudo», «experiência» e «engenho». Perdoemos-lhe a imodéstia e a contradição do verso onde se autorretrata como «humilde, baxo e rudo» na mesma estância. 

Camões, na sua última exortação a D. Sebastião, na sequência dos versos apresentados, mostra a sua disponibilidade para o seguir como soldado, contribuindo com a sua experiência guerreira para o engrandecimento da pátria «Pera servir-vos, braço às armas feito,». Oferece-se, de igual modo, para o cantar, pois o considera digno de uma nova epopeia «Pera cantar-vos, mente às Musas dada;» Contudo, o Rei de um «alto império» a quem oferece Os Lusíadas, em 1572, atribuiu-lhe uma pensão modesta e não o convidou para o acompanhar na sua jornada de África, levando antes o poeta Diogo Bernardes, vaticinando a glória e o império de Marrocos, mas que redundou na campanha desastrosa de Alcácer Quibir.  

Começam, neste 10 de junho, as grandes comemorações dos 500 anos do nascimento do bardo lusitano.  Estas festas prolongar-se-ão por dois anos com conferências, exposições e publicação de livros sobre o autor.  Uma grande oportunidade para não o deixarmos esquecer.

Frederico Lourenço, professor da Universidade de Coimbra e especialista na obra do Poeta, acabou de publicar Camões: Uma Antologia (Quetzal Editores, 2024) onde apresenta uma compilação das estâncias que considera mais importantes da sua obra épica e um conjunto dos seus sonetos, assentando a sua escolha em critérios de preferência pessoal, como possíveis textos de motivação para a leitura do poeta.  À apresentação desse corpus literário, acrescenta um conjunto de anotações que, além de esclarecerem alguns detalhes, mostram a matriz latina da poesia de Camões, recusando, de algum modo, os estudos de cariz autobiográfico, afirmando que mais do que «verdades biográficas», nas suas rimas há «verdades poéticas».

Para este estudioso, Camões com Os Lusíadas mais do que enaltecer ou criticar Portugal quis mostrar-nos a sua vontade de Portugal ser um país ser melhor, daí a sua intemporalidade. 

Agradeço a todos os professores, e foram muitos, que me ajudaram a ler a obra do Poeta que mais admiro. Procuro seguir-lhes o exemplo nas minhas aulas. Lê-lo continua a ser a melhor forma de o homenagearmos.

Ana Albuquerque

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