ARTIGO DE OPINIÃO: Afinal, de que se queixam os médicos?

03/02/2024 18:30

Recentemente tem crescido o número de reivindicações por parte de médicos e dos profissionais de saúde. Deixem-me esclarecer que aquilo que preocupa realmente enquanto médico, é a desinformação.

Há umas semanas, Luís Marques Mendes afirmava, em canal aberto, que há falta de médicos em Portugal. Mas quantos médicos há? Quantos são precisos?

De acordo com o Conselho Nacional Executivo da Ordem dos Médicos existem cerca de 63 000 médicos em Portugal. De acordo com o Instituto Nacional de Estatística o rácio de médicos por 1 000 habitantes em Portugal subiu 74% em 20 anos.

Ainda assim, os últimos anos têm sido os de maior esforço para o SNS, tornando-se cada vez mais difícil dar resposta no atendimento aos utentes quer em contexto de urgência, quer em contexto de consulta e ambulatório.

Do total de médicos, cerca de 9 000 são especialistas em Medicina Geral e Familiar (vulgarmente conhecidos como médicos de família), o que faria corresponder 1 200 habitantes a cada médico de família, aproximando-se do número ideal de 1 000 habitantes por médico (sem contar com médicos internos).

O número de vagas para a formação especializada foi o maior de sempre em 2024, um total de 2 242 lugares, dos quais mais de 400 ficaram por ocupar. A ênfase vai para as especialidades de Medicina Geral e Familiar e Medicina interna que ficaram com 300 vagas por preencher. Curiosamente, são as especialidades mais carenciadas e aquelas que abriram mais lugares de formação.

Após o período de sobrecarga e exaustão que nos trouxe a pandemia, há agora uma tendência para a procura de especialidades com melhor qualidade de vida em termos de horário, potencial remuneratório e sem obrigatoriedade de urgência presencial. No final da formação especializada, muitos são os que procuram exercer a sua profissão num espaço de trabalho cativante ou com projetos profissionais ambiciosos, fora do SNS.

A formação médica não é o fator limitante para o número de médicos em Portugal. O numerus clausus pode aumentar indefinidamente nas escolas médicas, assim como o número de vagas para formação especializada, mas enquanto não forem melhoradas as condições de trabalho, o horário, a valorização, remuneração e a progressão na carreira, continuaremos a assistir a um abandono do SNS que culminará na sua ruína.

O número ideal de médicos não é exato, mas é aquele que consiga dar resposta adequada aos seus utentes em todos os setores. É preciso abandonar a ideia tradicional de que há falta de médicos em Portugal. 

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