Tenho aproveitado muito do meu tempo de leitura para ler a obra de Rosa Montero. Estreei-me com um dos seus famosos livros A louca da casa, oferecido por uma amiga, e fiquei imediatamente fascinada pelo estilo da escritora.
Rosa Montero é uma conceituada jornalista espanhola do jornal EL País. Recebeu já o Prémio Nacional de Jornalismo, além de outros prémios literários como o “Prémio Grinzane Cavour”, de literatura estrangeira, e o “Prémio Qué Leer”, atribuído ao melhor livro espanhol.
Hoje, para o meu artigo, escolhi um dos livros que comprei pela estranheza do título, ignorando, completamente, que se tratava de uma expressão retirada do Diário de Marie Curie, texto que iniciou como terapia para a dor que sentia provocada pela da morte acidentada do marido, Pierre Curie.
Marie Curie é uma figura feminina que sempre considerei admirável, até pelo facto de ter sido uma mulher a ganhar por duas vezes o Prémio Nobel, como reconhecimento da sua elevada competência científica, num tempo em que a ciência era um monopólio dos homens, pelo menos era essa a imagem que passava, como se as mulheres fossem destituídas de inteligência. O primeiro Prémio Nobel foi entregue à dupla de investigadores da Física, Pierre e Marie Curie, em 1903, e o segundo, o da Química, em 1911, a Marie.
A primeira vez que ouvi falar desta cientista teria os meus treze anos, quando um dos meus professores me emprestou um conjunto de biografias de celebridades, a única mulher dessa coleção era Marie Curie. Gostei logo do seu perfil exemplar e anómalo para a época em que viveu.
Ao iniciar a leitura deste livro de Rosa Montero, desconhecia o fascínio que esta cientista também exercia sobre a escritora. Não só do ponto de vista da sua inteligência e estudo empenhado, como da sua sensibilidade como mulher que perdeu o marido sem menos o esperar, vítima de atropelamento.
A narradora, que assume a primeira pessoa na história que narra, estabelece claras ligações de analogia entre a dor sentida pela cientista e a dor da escritora, ao experimentar, também ela, a morte prematura do marido. A dor de Marie Curie ajudou-a a mimetizar a sua própria dor, sobre a qual ainda nada tinha escrito.
Se, por um lado, ficamos a conhecer alguns meandros da vida difícil da professora e investigadora, viúva e com filhas para criar, vítima de inveja por parte de parceiros da ciência, por outro lado, assistimos ao desvendar do íntimo de um ser humano dilacerado pela dor da morte de quem mais admirava e amava. Uma mulher que se não se compadece com esse trágico desaparecimento e o transfere para a escrita do diário.
A autora/narradora, no seu jeito habitual, vai tecendo considerações sobre a morte dos que nos são queridos, aproveitando, como Marie, para ir lambendo as feridas mais profundas da sua perda, aproveitando, ao mesmo tempo, para refletir sobre a existência humana e a nossa relação com o tempo.
A autora quer mostrar-nos como a literatura, o exercício da escrita, pode transformar o sofrimento em beleza. Nem tudo é horrível na morte. Ela é, sempre foi, fonte de inspiração de grandes obras artísticas. “A arte em geral, e a literatura em particular, são armas poderosas contra o Mal e a Dor. Os romances não os vencem (são invencíveis), mas consolam-nos do horror.” A dor em coletivo torna mais suportável a dor individual.
O livro não fala só de Marie Curie e de Rosa Montero, ele fala de todos nós, da nossa comum e frágil humanidade.