A Páscoa era, sem dúvida, a festa que ela mais apreciava. Limpavam as casas bem limpas para a passagem do Senhor. Ainda bem que Ele só vinha uma vez por ano!
Na quinta e na sexta-feira santas, na primeira, depois das cinco, e na segunda, depois das três, ninguém trabalhava. Desciam à Vila assistir às cerimónias do lava-pés de Cristo, aos sermões e às procissões. O que ela chorava baixinho quando via a Senhora, vestida de preto, atrás do esquife do filho morto! E aquelas cantigas fúnebres ainda hoje lhe soam ao ouvido, num murmúrio distante, mas tão próximo: “Estavas mãe dolorosa/ junto à cruz lacrimosa/ enquanto o filho pendia/ enquanto o filho pendia”.
Os sermões da Semana Santa eram longos e aborrecidos. No meio da igreja, no púlpito, um abade, já velho, gesticulava teatralmente e gritava: “Mataram Jesus Cristo! Crucificaram-No! Mataram Jesus Cristo! Crucificaram-No”. Ela não compreendia porque todos anos o faziam e Ele nunca desistira de voltar àquela terra de malvados! Ainda hoje, em cada Páscoa, em cada recomeço, mais ou menos doloroso da sua via-sacra, lhe custa compreender tantos mistérios do rosário da vida. Da vida e da morte.
No dia de Páscoa, à tarde, depois de Cristo já ter ressuscitado, ao toque de badaladas fortes no sino da velha igreja, o senhor vigário, ainda muito ágil, corria as ruas da povoação. Aparecia todo aprumado na sua veste branca sobre a batina negra, logo a seguir à cruz, de prata brilhante, transportada por um mordomo do Santíssimo. Era uma grande responsabilidade, diziam. Seguia um outro com a caldeira e o hissope. Outro, ainda, com a campainha, que agitava com força para anunciar a chegada a cada casa. Tudo obedecia a uma ordem. Atrás do compasso, iam as mulheres a cantar Aleluias! “Já ressuscitou Jesus Cristo, Aleluia.” E outras respondiam “Alegrai-vos, ó Virgem Maria, Aleluia.” E todas repetiam, em coro afinado “Aleluia. Aleluia.” A voz da mãe lá estava, lá está ainda, a destacar-se do conjunto.
As ruas, muitas ainda de terra batida, tinham sido varridas, na véspera, à noitinha, com vassouras feitas de giestas ou de gilbardeira. As portas das casas estavam enfeitadas com espadanas verdes, entretanto apanhadas, pela manhã orvalhada. Cheirava a rosmaninho e a loureiro florido.
Subiam as escadas das casas ricas. Entravam na sala. Lá dentro, uma mesa coberta com uma toalha branca de linho com renda à volta. A jarra de vidro, com jarros brancos ou camélias vermelhas, ao centro. Depois, cada um ocupando o seu lugar próprio, o pão de ló, feito com um número ímpar de ovos, de colheres de sopa de açúcar e de farinha; o queijo da serra, já com algumas fatias cortadas no prato, com palitos de madeira por cima; ao lado, uma taça de amêndoas, cobertas com açúcar branco; uns pratinhos, num canto e no outro da toalha, com as bolachas talassas e os bolinhos de coco. Junto à jarra, o bolo de azeite e, logo ao lado, um envelope com a côngrua, palavra estranha para o seu ouvido de menina, que um homem recolhia e metia num saco de pano escuro. Nunca percebeu porquê!
Nas casas dos balcões de pedra rugosa e escura, logo à entrada, estava uma mesa com uma toalha de estopa, um bolo de azeite, uns biscoitos, que levavam aguardente, e uma laranja. O mordomo dava a beijar a cruz. A mesma para os ricos e para os pobres. Nisto eram iguais. Eram, efetivamente, irmãos!