Nunca se tinham cruzado, até à altura em que o meu pensamento as decidiu juntar. Esta é Madalena, esta é Teresa. Depois do primeiro olhar, a primeira disse Estou aqui por causa de um homem que voltou do reino dos mortos, e a segunda disse Estou aqui porque do reino dos mortos não posso regressar. Casei sem poder, por isso paguei; o meu único poder foi não ter casado, por isso me fizeram pagar. Os olhos de uma eram os olhos da outra, a dor não é invejosa, magoa sem olhar a quem, e o tempo não mete a colher entre quem o amor escolheu e quem por amor não teve escolha, afasta caminhos, mas não corações. É ainda muito nova, tem a idade que eu tinha quando casei a primeira vez, disse Madalena a Teresa. Então somos da mesma idade, respondeu Teresa, porque dizer que sim sem amar é o mesmo que recusar. Um dia, não haverá mais conventos. Duvido, pensaram ambas ao mesmo tempo sem disso nenhuma delas saber, que não são os hábitos de noviça que fazem a fé aparecer. Eu vivo todos uns dias um bocadinho só para morrer mais vezes, disse Madalena. Eu morri todos os dias um bocadinho para viver só de uma vez, respondeu Teresa. Meu Manuel, que fizemos nós? Meu Simão, que fizeram de nós? Olharam uma para a outra, ou cada uma com os olhos da outra. Por causa do meu amor, perdeu-se a minha filha. Por causa do meu amor, perdeu o meu pai a filha. Que culpa tenho eu? O meu marido foi enterrado na sepultura de um claustro. O meu, que marido não chegou a ser, morreu no mar e de cruz lhe serviu o mastro. Ainda não o encontrei, mas deve ser porque o céu ainda é maior do que o mar e um amor como o nosso é difícil de encontrar. Sim, se o convento é mais pequeno e aqui nunca mais o vi, a não ser em oração… Mas cá dentro de mim mando eu, e se o título é diferente e as palavras minhas não são, bem podia Frei Luís de Sousa chamar-se Amor de Perdição.
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